sexta-feira, 4 de julho de 2008

Cinco ave-marias, dez pais-nossos e um copo de vinho tinto.

Hoje ela acordou e largou a medalha de Nossa Senhora no chão do quarto escuro, abriu a porta com força e se arrastou até o banheiro. Olhou pro espelho e viu os olhos cobertos por olheiras, olhos de ressaca assim como os de Capitu. Passou a mão pelas bochechas marcadas pela fronha do travesseiro. Sentiu o peso dos punhos sob a face leve. Viu o semblante tomado por culpa e pecado.
Lembrava de um presente que havia dado a uma Flor, 17 anos atrás. Já não lembrava mais do significado da vida. Sentia um forte impulso nas costas e a reprimia. Apertava suas pétalas, não queria que o vento as tocasse. Não queria que a chuva as lavasse.
Cuidava tanto que se descuidava. Não queria que beija-flor as beijasse.
Sem tomar banho, trocou as calças, calçou o chinelo por cima das meias, sentou-se à mesa posta.
Tomava um suco de laranja que descia rasgando, que cortava a garganta, que picotava a alma, mastigava uma torrada seca e áspera.
Levou o dia todo assim, não viu a borboleta a passar na sua frente, não viu o sorriso na criança sem dente, não viu o curar do doente.
Só pensava no pecado da Flor.
Não tinha fé em quem um dia teve, teve medo. E o medo, meu amigo, não existe no Amor. Não existe na vida, na vida da Flor, feita de amor, não.

Ao chegar em casa e arrancar os sapatos. Jogar a bolsa no sofá da sala, tomou um copo d’água e voltou para o quarto.
Apanhou a medalha do chão, e fez uma oração. Cinco ave-Marias, dez pais-nossos e um copo de vinho tinto.

Amanhã, ao acordar, tomará mais cuidado. Deixa que a Flor se rega.



















Porque se apertar muito escorrega.

Um comentário:

Willian disse...

Um parêntese

(Joaquim Maria!! Um achado na história!!)