quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Soalheira

Andei andando em cima do telhado, queimando meus passos por causa do calor do sol, queimando minha vida pela falta da chuva, cozinhando pensamentos crus, fritando os olhos fartos.

Andei perseguindo a sorte, e quem me perseguia, desesperadamente, era a morte.

Fugi, chorei a perda da defesa, revivi o dia do acidente.
No bolso, a caixa de fósforos.
No nariz, o cheiro da gasolina.
Nos ouvidos, uma canção infantil.
Quem tem medo do lobo mau?

Dia desses eu conheci um santo, ele passava pela rua estreita numa calmaria, até me ver naquela agonia contínua.
Olhou pro céu pra agradecer e viu que alguém estava quase a padecer, resolveu levantar as mãos pro alto, pra tentar alcançar o inalcançável, pra tentar aliviar a carga que eu, pobre, carregava.

Minutos depois veio a menina da inveja nos olhos, da raiva nos calos, me olhou e sorriu, sumiu.
Mas não podia deixar pra outra vida, murmurou meias palavras, depois se trancou em seu inferno.

Eu via tudo dali de cima, eu percebia...
que a luz e o calor são trazidos pelo Amor
E roubados logo em seguida com a partida da minha vida...


E com a chegada da minha dor.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Em um segundo eu vi meu mundo.

Até esqueci que estava metida em um poço sem fundo.

domingo, 19 de outubro de 2008

Provecto

Virou a esquina e resolveu fazer uma parada.
Na bagagem só levava a simplicidade dos seus toques.
A timidez se alojou em seu sorriso, os olhos cor de mel ficaram encarregados de cuidar de seu juízo.
Não costumava dizer muita coisa, tinha mania de ouvir.
Ouvia, atento, tudo o que ela dizia
Insanidades, verdades, maldades...
Nem se importava com sua pouca idade.

Acrescentava em cada suspiro, uma colher de sopa de mistério.
Ninguém ousava perguntar qual era o enredo, o desfecho.

E num disparo, ele se depara com a luz que aguardava.
Nas mãos um retrato,
nos pés um fato.
Na boca um relato.

Todavia, ele não se atrevia.
Apenas seguia calado.

Note e Anote.

"Vontade de escrever", era o que ela sentia.

De fundo, a voz do professor de matemática era ouvida por pouco mais de meia dúzia.

Ela, então, pedia licença para o mundo real e criava a sua própria condição de existência. Pintava seus números, arranhava suas palavras. Engolia amargura. Respirava um ar seco, cortante, tal como o do mundo lá fora. Refletia o porquê de tudo aquilo, refez todo o caminho percorrido da casa até a escola. Já pela manhã, não havia percebido se a vida lhe mostrara alguma lição. Só conseguia pensar em seu umbigo.

Talvez por isso sentia um gosto ruim em sua boca.


Finalmente, se isola e relata a receita de MUNDO:

- descrença picada

- 6 xícaras de chá de (des)interesse

- 3 colheres de sopa de ódio, bem cheias.

- pessoas egoístas a gosto

- uma pitada de sal.


Força a maioria tem estocada na despensa. Mais dia menos dia, ganha evidência.


Pois então, numa solução ela pensou:

Há um ingrediente que pode retardar tal efeito...


O amor.


Pra que o mundo se mostre menos imperfeito.

Interroga ação

Tá frio aqui.

Tá tudo escuro.


Não se vê nada, apenas muro.

Não se vê mundo, não se vê fundo.


Pulo ou não pulo?

Arrisco ou desisto?

Assisto, fraco, sentado, com os pés apoiados na mesinha de centro?

Ou luto, suo, sangro?


Se bem que sangue se pode ver...


Pela falta da batalha ou por causa dela.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Procurou a inspiração do lado esquerdo da casa.
Pediu pro irmão mais novo vasculhar o quintal.

A panela no fogão, a batata descascada de molho em cima da pia, o barulho da buzina lá fora, vazia.
Saiu correndo pela sala, atravessou a porta entreaberta, colocou a cara pra fora do muro alto.

Não tinha carro.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Em raiz ar

Eu nasci do vento, vim, vi, venho, tento.
Tento fazer nascer o que planto
Rego com pranto
A perda que ganho
O ganho que perco.

O chão que piso, esterco
A raiz que beijo, cega
Porque ninguém nega o serviço
quando vê a terra fértil.
Mas quando vê o que se nasce inerte
o povo covarde diz não saber...
diz ter feito sua parte sem nem pensar em dividir.

Então por que eu vi raiz morrer?

Morreu porque quem um dia plantou e colheu,
cansou, voou, não mais voltou.