quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

E a rotina desatina...

Eram quatro letras. Mas só uma era consoante. Achava estranho e vivia lamuriando pelos cantos. Ora! Estranho seria, se das quatro, uma só fosse vogal.


Tomou uma xícara de chá amargo e foi pro trabalho. A mesma coisa de todos os dias: bater o cartão ao entrar pelo portão, trabalhar na linha de produção e voltar pra casa. Mas antes sempre passava na padaria. Três pães franceses, um sonho e uma coca-cola. Era bem raro comprar requeijão.


Ah! Requeijão era luxo. E não jogava fora o potinho, não.

Ia acumulando pra colocar tempero.

Cominho, noz moscada, orégano, salsinha e cebolinha... E se plantando tudo tinha!


A coca-cola era costume... Chamava até de neguinha.

Os pães eram devorados em dois tempos.



E o sonho que ele comprava, todo dia sobrava em cima da mesa.

(Mas dentro do quarto, o que sobrava era beleza!)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Retroexpectativa.

Ainda consigo me lembrar do primeiro segundo do ano. Pode até ser um mero engano, mas foi doce. Depois de alguns minutos o doce ficou amargo, como se o manjar e a torta de mel se fizessem fel.

(...)

Dizem que o ano só começa depois do carnaval.

Pois bem, meu bem, pulei o carnaval sem dó nem piedade. Mal vi o movimento todo que se fazia na cidade. Com serpentes e serpentinas e já com essa idade, parecia que o que eu não tinha era vontade de sair e respirar. Bastava minha casa e minha cama.

Adormeci.


Mas não morri.


Eu até pensei que não daria conta do pranto que sobrava em cima da mesa, ao lado da xícara de nostalgia. Naquela noite, faltava a alegria (ela tinha saído com os amigos).

Nas semanas seguintes eu andei pela rua, e lavada pela chuva em alguma esquina, encontrei a cura da minha alergia.

Veio em forma de abraço, embalado com o badalo do sino das dez da noite, com a brisa da estrada cheia... Veio em forma de sorriso de anjo, em caminhos de veia...


O ano foi bom, foi pleno, foi puro. E dessa vez eu aprendi a reconhecer quando é veneno.

Não me faltou nada, apesar de entrar em contradição a cada vez que paro pra pensar e reviver alguns momentos.

Foi leve feito vento.


Consegui descansar.

Agora eu sei o que fazer, o que buscar.



E eu vou encontrar.




Tudo depende do início.

Bom 2009,

Que não lhes falte serviço.




Rebecca Garcez.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mente enlouquecida, cabeça colorida.

Vermelho, roxo, amarelo.
Branco, verde, rosa choque.
Preto azulado.

Cerebelo embriagado.

Eu sou o homem das faces e feitos.
Essa é a minha arte.
Até amanhã de manhã,

e muito obrigado!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A cama e a fama.

Chega aqui mais perto, sente só... O jeito, o cheiro.



E o cabelo cheirava a vapor de erva cidreira. Cheirava aquela rua estreita.
Aquelas esquinas frias. Aquela vida vivida.







Aquelas meninas.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Imagem-nação.

Eu moro numa nação onde todos são o que são, hipócritas, medíocres, acomodados, porém frágeis como a brisa. E eu? Bem, busco meu diferencial não buscando. Carregando a humildade e a simplicidade na mochila, com o coração sendo meu guia... E não me arrependo de um dia ter tentado ser feliz porque não era. Eu fingia!
Mas não fingi a todo momento.

Até que dia desses eu bem sorria. Mas hoje eu tento sentir a dor pra amanhã transformar em alegria.

Dor é uma coisa boa. Você a sente, a toca, retoca, e de duas uma: ou permanece inerte, ou faz de seu terreno, fértil. Mais vivo do que nunca.

Nessa minha nação já passaram tantos amores. Quase me perdi para não perder um deles. Cheguei bem perto disso, e bem longe de mim.
Quando ainda me restava um fio que suportava, resolvi saltar em direção à perdição. Perdi um homem enorme, mas ganhei um grande amigo que vai permanecer comigo em todo amanhecer.
Depois dele vieram mais uns, até que apareceu o último romance. A parte ruim (ou não) é que nesse curto intervalo de tempo prometi dentro de mim, que não mais ia me largar a fim de agradar olhos cansados de observar as origens falhas, os alicerces caídos que podem ser vistos em toda esquina de qualquer vida.


Ontem li cartas que não eram para mim, montei o jogo de dominó e enquanto vinha uma peça após a outra, engolia azeitonas e sabia o que realmente ele sentia. Tudo tão sem sentido, e o sexto sentido gritava que as meninas e os meninos iam repetir o que ele orava.

A oração por causa da não ação e por causa da ação falha e falsa de toda essa nação. (A minha não!)

Que horas são? Acho que dormi demais antes dessa história. Cheguei atrasada pro seu vestibular? Não vou mais ser phD em Vida?

Tanta coisa eu digo, pergunto e escuto, estudo, o escudo.



É errado não ser feliz e buscar o contrário?

Aonde foi que ele escreveu esse décimo primeiro ensino-mandamento?

Depois de cometer todos os sete pecados capitais, agora segue em frente, atrás do oitavo.

"Um dia me botaram numa cruz e só porque JESUS sofreu não significa que eu tenha que sofrer." - andei chutando enormes pedras pesadas, com o pensamento fincando o meu firmamento, pelas calçadas nuas enquanto o ontem se banhava com a chuva seca.

...Se o tal sábio não se dispôs ao controle mínimo por mim, ele podia esperar o que?

Podia esperar.

E somente esperar...

Porque mudar por ele ela podia...





Mas sozinha no seu quarto, ela mal podia chorar.


segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Carta-Resposta

Querida Amargura,

Gostei muito de receber seus sentimentos.

Antes de engavetá-los, resolvi considerar todos os relatos e dar um parecer.

Ultimamente eu dou um sorriso todos os dias as 06:45 da manhã, e mais um as 07:30. Depois não mais.

Entre um mundo e outro, eu dou um pulo, pra não cair na valeta que separa, na insegurança que segura.

Por isso, ganhei botas novas, um dia desses...

Agora eu até que piso macio.

Eu vejo o dia claro por apenas um segundo, que é quando eu vejo o meu mundo. O meu mesmo, onde ninguém me dá de presente beijos doces e em seguida, palavras estúpidas...

Ganhei um brilho nos olhos, que não é meu, um brilho que vejo diariamente, e graças a Deus, entre uma comemoração e outra, eles me olham, me mostram o que de dentro ninguém tira. O que nasceu em meados de 1993.

Ganhei um pote de saudade, que ta ali no meu armário.

Se a saudade fosse boa pra mim, não viria enclausurada.

Voaria livre e pousaria na minha janela, que vive aberta, esperando voltar o que se foi junto com os versos livres.


É! Presente atrás de presente... E ainda nem é natal.

Frustração atrás de frustração... E ainda nem me dão toda a razão.


Vou enviar a dor nessa carta-resposta, cara Amargura.

Minha gaveta já está abarrotada demais.





Abarrotada de frases duras que eu tentei deixar pra trás.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Soalheira

Andei andando em cima do telhado, queimando meus passos por causa do calor do sol, queimando minha vida pela falta da chuva, cozinhando pensamentos crus, fritando os olhos fartos.

Andei perseguindo a sorte, e quem me perseguia, desesperadamente, era a morte.

Fugi, chorei a perda da defesa, revivi o dia do acidente.
No bolso, a caixa de fósforos.
No nariz, o cheiro da gasolina.
Nos ouvidos, uma canção infantil.
Quem tem medo do lobo mau?

Dia desses eu conheci um santo, ele passava pela rua estreita numa calmaria, até me ver naquela agonia contínua.
Olhou pro céu pra agradecer e viu que alguém estava quase a padecer, resolveu levantar as mãos pro alto, pra tentar alcançar o inalcançável, pra tentar aliviar a carga que eu, pobre, carregava.

Minutos depois veio a menina da inveja nos olhos, da raiva nos calos, me olhou e sorriu, sumiu.
Mas não podia deixar pra outra vida, murmurou meias palavras, depois se trancou em seu inferno.

Eu via tudo dali de cima, eu percebia...
que a luz e o calor são trazidos pelo Amor
E roubados logo em seguida com a partida da minha vida...


E com a chegada da minha dor.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Em um segundo eu vi meu mundo.

Até esqueci que estava metida em um poço sem fundo.

domingo, 19 de outubro de 2008

Provecto

Virou a esquina e resolveu fazer uma parada.
Na bagagem só levava a simplicidade dos seus toques.
A timidez se alojou em seu sorriso, os olhos cor de mel ficaram encarregados de cuidar de seu juízo.
Não costumava dizer muita coisa, tinha mania de ouvir.
Ouvia, atento, tudo o que ela dizia
Insanidades, verdades, maldades...
Nem se importava com sua pouca idade.

Acrescentava em cada suspiro, uma colher de sopa de mistério.
Ninguém ousava perguntar qual era o enredo, o desfecho.

E num disparo, ele se depara com a luz que aguardava.
Nas mãos um retrato,
nos pés um fato.
Na boca um relato.

Todavia, ele não se atrevia.
Apenas seguia calado.

Note e Anote.

"Vontade de escrever", era o que ela sentia.

De fundo, a voz do professor de matemática era ouvida por pouco mais de meia dúzia.

Ela, então, pedia licença para o mundo real e criava a sua própria condição de existência. Pintava seus números, arranhava suas palavras. Engolia amargura. Respirava um ar seco, cortante, tal como o do mundo lá fora. Refletia o porquê de tudo aquilo, refez todo o caminho percorrido da casa até a escola. Já pela manhã, não havia percebido se a vida lhe mostrara alguma lição. Só conseguia pensar em seu umbigo.

Talvez por isso sentia um gosto ruim em sua boca.


Finalmente, se isola e relata a receita de MUNDO:

- descrença picada

- 6 xícaras de chá de (des)interesse

- 3 colheres de sopa de ódio, bem cheias.

- pessoas egoístas a gosto

- uma pitada de sal.


Força a maioria tem estocada na despensa. Mais dia menos dia, ganha evidência.


Pois então, numa solução ela pensou:

Há um ingrediente que pode retardar tal efeito...


O amor.


Pra que o mundo se mostre menos imperfeito.

Interroga ação

Tá frio aqui.

Tá tudo escuro.


Não se vê nada, apenas muro.

Não se vê mundo, não se vê fundo.


Pulo ou não pulo?

Arrisco ou desisto?

Assisto, fraco, sentado, com os pés apoiados na mesinha de centro?

Ou luto, suo, sangro?


Se bem que sangue se pode ver...


Pela falta da batalha ou por causa dela.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Procurou a inspiração do lado esquerdo da casa.
Pediu pro irmão mais novo vasculhar o quintal.

A panela no fogão, a batata descascada de molho em cima da pia, o barulho da buzina lá fora, vazia.
Saiu correndo pela sala, atravessou a porta entreaberta, colocou a cara pra fora do muro alto.

Não tinha carro.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Em raiz ar

Eu nasci do vento, vim, vi, venho, tento.
Tento fazer nascer o que planto
Rego com pranto
A perda que ganho
O ganho que perco.

O chão que piso, esterco
A raiz que beijo, cega
Porque ninguém nega o serviço
quando vê a terra fértil.
Mas quando vê o que se nasce inerte
o povo covarde diz não saber...
diz ter feito sua parte sem nem pensar em dividir.

Então por que eu vi raiz morrer?

Morreu porque quem um dia plantou e colheu,
cansou, voou, não mais voltou.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Eco de um grito sem som.

Eu sou um homem de mãos sujas e rosto inchado, pés cansados e costas amargas.
Minhas mãos são sujas de tanto que as limpo. Vivo no conforto, conformado com minhas inúmeras posses e inúmeros números guardados no banco.
Meu rosto é inchado de tanto tapa, tapa que eu mesmo dou em qualquer infeliz que cruzar meu caminho, mas acabo, no fim, recebendo tudo de volta.
Meus pés estão cansados de tanto descansar, e na verdade eu só conto. Conto os contos que vivo no meu imenso vidro fechado, lacrado, em que me tranquei.
As costas amargas, tomadas por descaso e solidão.

A felicidade foi embora há pouco tempo, junto com o Amor que eu guardava ali dentro.
Saiu pela porta da frente sem olhar pra trás...
E na verdade tanto faz, ficar aqui, ou ali atrás.

Vivendo, cantando ou amargando.

Sonhando, apanhando ou morrendo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Festa no picadeiro

Sabe, eu fico puta com essa história de política.

Exatamente agora tem um bando de gente hipócrita passando em frente a minha casa.

Apitos, barulho, confete. E uma musiqueta que diz: “Do jeito que ta não dá, do jeito que ta não dá”. O que é óbvio.


Só faltava agora, a passeata da oposição vir pelo outro lado da rua e trocarem tomates podres, ovos e palavrões. Ia ser bem engraçado.


Tem uma mulher aqui na cidade, que colocou faixas de todos os candidatos a prefeito na fachada da casa dela. Isso é que eu chamo de voto nulo...

Tem também uma propaganda, de uma candidata a vereadora, na televisão, que é exatamente assim: “Sou a fulana macumbeira, se você não votar em mim eu jogo macumba em você”. Fora a senhora que aparece do nada: “Sou a mulher do sicrano do pó... de café... Ouro verde. Meu número é tal.”

Hum! Sem contar o cara do “Peroba neles”. E meu professor de química que apareceu em rede nacional vestido de Chapolin Colorado.

Na eleição passada teve um que fez sua apresentação montado em um avestruz.


O povo pensa que política é palhaçada.

O povo pensa que gente passando fome é piada.



Vai amigão, se entope mais de ópio, pinga, futebol e televisão...

14 de maio

Reza, reza... pra ver se alguma coisa no mundo melhora...
Reza pra ter força, pra ficar ou ir embora.
Reza por quem ama, por quem reza, por quem não acredita.

Reza pro barco não naufragar, reza pelo marujo, pelo capitão...
Reza pra Flor não sentir sede e secar.
Reza pro Poeta sempre se inspirar.

Reza pro casal que se ama se ajeitar.
Reza, preza.

Reza pra ela passar no vestibular (e ele também).
Reza pra conseguir se concentrar.

Reza, mesmo que com pouca fé.
Quanto mais se tem fé mais se é.
Mais você se apóia, fica de pé.

O mar está pra peixe.
O nosso mar agora é calmo.
O navio tem que continuar a vagar.
Analisando ele de longe, sem saber o que se passa, ou ele está sem rumo
Ou está seguindo o seu caminho.

E nesse caminho há todos os tipos de perigos.
Mas estamos juntos.

Então, o mar está pra peixe.

Reza, reza... pro peixe não fugir, pro medo não surgir.
Pra tempestade não cair.

Seis dias sem vida

Camuflou-se por trás da vida, cor.

Andou junto ao vento, ao relento...

E então a chuva assim se deu.


Os respingos embaçavam os óculos, e tudo ficava fora de foco.

Fora de toque.

Fora de alcance.


Virou de relance, puxou um novelo de lã de dentro da mochila.


Sentou rente ao meio fio, costurou um pulôver.

Ninguém nem viu...


Vestiu, mas não serviu.

Seguiu, subiu, quase caiu.

Enxaqueca

Dói aqui, parece-me que eu não sou mais quem eu sempre fui.

Dói a perda de mim mesmo, dói, e é uma dor que me adoece, me enfraquece.

Dói ter de achar algo que eu pensava que nunca perderia. E eu ria!


Nunca vou perder aquilo que me faz ser assim como eu sou.

Eu pensava, pensava e achava o que eu procurava.

Então um dia, eu perdi o que eu achei que tinha achado, perdi o que eu mantinha em mim, no meu quarto. Perdi porque me traí, me larguei por aí.


Então me surge um alguém que eu não procurava. Alguém que me olhava de longe, e aprovava minhas notas enquanto eu tocava.

Ela cantava uma opereta, jogada na sarjeta... Aparentemente fraca.


Ah! A força! A força e a forca.

A força e a coragem de ir pra forca de cabeça erguida e voz límpida.

A forca, a coragem e a força, o braço forte e o olhar úmido.

A força pra desfazer o laço da forca e me libertar deste embaraço.


Eu ainda tenho o que havia procurado? Ainda tenho o que havia achado? Ainda tenho o que procurava achar que havia perdido? Ainda tenho o que eu achava procurar pra tentar não perder?


Eu posso ver?

Posso saber?

Posso?

Será que eu permitiria tal honraria?


Hoje me deito ao relento, penso, lento, acalento, sinto o vento, tento...


“Olá, você sabe que horas são, meu irmão?”


O desconhecido era conhecido por mim mais do que por qualquer um que estivesse ali jogado, cansado de tanto beber rum.

Era eu. Era quem eu havia largado graças ao agrado que devia ser dado.


“Pois saiba, meu caro, que não há nada que me agrade mais que você mesmo. Pois então não mais me largue, não mais se largue... Por favor, o tempo está tão frio, e eu aqui! Não rio, não vivo, não sinto, não amo...”.


Acordei, com uma tremenda enxaqueca. Senti o Amor que não mais sentia, senti os salpicos do orvalho, senti a brisa leve que levou todos os meus erros e lavou todas as minhas lágrimas.


Entendi todas as quedas, todos os machucados, toda a hemorragia da alma, entendi a cólera. Entendi o porquê da correnteza em um rio de águas tão claras.


Você só perde quando não aprende com os danos. Enganos.

Você só se engana quando não percebe que o que se Ama jamais se perde.

Mesmo que o tempo leve... Mesmo que a chuva lave.



Mesmo que nenhuma nota acompanhe a clave...


(Para Felipe)

Oito horas da saudade

Bolo de frutas, molho de flores.

De acompanhamento, chá de suspense.

E eu, sentada na cadeira de vida quebrada

Olhando a paisagem de café desenhada

A foto de pão de forma, encapada

Fora na mesa de centro colocada.

A cena de amargura é meu café da manhã.

Então, entorno o leite de solidão,

Adormeço, esqueço...

Enfim desperto.

Não vi meu dia de agonia ir embora

Já são oito horas da saudade, agora

Não posso nem ao menos ver o sol lá fora.

Só ouço o barulho mudo do tom agudo

O amassar do folhetim


E os passos calmos de um alguém, pisando as acácias do meu jardim.

Há pavor, ando...

Eu apalpei meu peito, me poupe, eu não podei o que eu podia podar.

Eu quero querer evitar, quero querer não querer, bem querer.

Eu tenho uma margarida na mão, e na outra um pão com margarina.
Só me falta a xícara de café, forte.
Pra me tirar dessa vida, morte.
Pra me entorpecer e sumir com a dor, corte.
Pra me fazer crescer, porte.
Não se comporte.
Mas não se entorte.



Cansei,
De dormir só pra sonhar.
Se nem o sonho me sacia
Eu quero a paz, quero o dia.
Porque meu sonho é pesadelo
Cansei,
De recorrer ao apelo
De desfazer do apego.

Cadê meu aconchego?

Ponto

Eu não tinha um pergaminho, só um pouco de tinta. Queria contar alguma história, queria ouvir além do choro, sentir por trás da pele, por trás do toque, fazer uma viagem. Sair do meu corpo pra ver outro mundo lá fora. Miragem. Encontrei no meio do caminho, um relógio jogado no chão. Abaixei e vi que ele ainda marcava a hora. Duas e sete, ele dizia. Corri pra ver se dava tempo de pegar o ônibus, mas me lembrei que o tempo não existe. Sentei no meio fio, ora pois, quem resiste? Quem desiste? Depois de ver passar um pouco de encanto, me levantei e fui à padaria. Mentira. Eu nem sei de tirar uma xícara de café...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

PhD em Vida.

- Olá Doutor! Vim me consultar... Estou com uma tremenda enxaqueca, a carcaça carrega a trapaça e a dor de cabeça está ali, em cima de sua mesa. Esta também tem perguntas a lhe fazer. Fora a dor de dente, e não é cárie não, é nervoso. Escovo os dentes seis vezes ao dia e quebro todas as escovas. Mordo com força, arranco as cerdas macias, não sei se estou certa...Vim suplicar sua ajuda, buscar aconchego e algumas receitas.

- Ora, pois estás fraca, feito uma pluma em meio a avenida. Onde está sua vida? Caíste por quê? Não tens vontades de levantar-te? Tens força? Até onde vais? Até onde lutas? Tu te igualas ao resto dos meus pacientes, aos senhores, ao clero, ao lero... Eu, formado que sou, qualificado que sempre fui e referência que me tornareis, digo que me decepcionaste!

- Mas Doutor, é só uma enxaqueca. Receite um doril e eu prometo que seguirei em direção à porta de saída (e de entrada) para não mais voltar.

- Ó moça, por que tão frágil? Deixarás que uma pequena pedra desvie seu caminho? Não pensei que fosses assim, digo que me decepcionaste!

- Mas... mas... Doutor...



quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Índole há em si já.

Soa como uma brincadeira de criança, soa leve, soa cedo.
Soa terno, eterno, soa, voa, vento, leva.
Neva.

Neva e congela por dentro, ela não dá mais trela e não revela.
Não revela que por baixo de sua experiência maquiada não há quase nada.

Quase nada ao ver dela.

Porque ser ela ninguém consegue.
Pois tal proeza não se vê em qualquer mesa.
Pois tal prosa não se vê em qualquer fossa.
Não se vê, mas se vai...

Segue, segue sentindo, amando e sorrindo.
Segue sem medo, segue o enredo.
Estraçalhe a vanglória, faça a sua história.
Use seu compasso a cada passo.


Porque não há nenhum outro como o seu caso.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Espião espionado

Um pequeno espião me seguiu e levou embora o que ele viu. O que se viu e se levou, voou, serviu de aviso pro espião desavisado, ora, faz-se louco, desvairado, ao olhar o tablado e perceber que não há ninguém a representar.

Mas a percepção é errada, tem areia, céu, e até estrada em um palco estreito, e o ator impõe respeito de lá de cima, ao dizer que sua rima saiu de dentro do seu eu.

Eu levei o pequeno inocente, frente a tanta gente, gente contente, gente carente, gente doente, e então ele saiu.
Correu, caiu, correu, caiu.

Não mais levantou.

Pois bem, eu esqueci o que não me convém.
E quem ficou, viu, viveu, entendeu, a história pra outro contou?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A única história sem ponto final



Dois personagens, dois protagonistas, dois roteiristas, dois sonoplastas e um só cenário.

Sejam bem vindos ao meu monólogo a dois.

Hoje eu olho pra frente e não vejo o fim da estrada. Olho ao lado e vejo o amado, com um pergaminho e uma caneta, cantarolando uma opereta.

Pois bem, há tempos que não narro o que se passa em nossa peça.

Houve um dia em que a Flor secou. Houve um dia em que a atriz prometeu não mais tropeçar nas pequenas pedras, e nem nas grandes. Houve um dia em que o Poeta pulou a grade, invadiu o palco e fez plantar em seu quintal a Flor-Amor. Arregaçou as mangas, despiu os pés, pegou a terra, cavou o lugar da Flor. Plantou Amor com todo o Amor que há.
Foi neste dia, que ao acordar, ele abriu a janela pra ver o sol, depois de tanto tempo no escuro do seu eu.
Vivia, escrevia, cantava, agonizava querendo achar, mas sem saber onde procurar. Só tinha o porquê.
Não se pode viver sem Amor, sem um par, sem um lar, ar.

Desde então nada tem sido em vão, engatilhou, pólvora, canhão, ninguém segura não!

Acordo e sinto cheiro de chá de morango, sinto o calor, sinto o Amor.
E o Poeta acorda e sente gosto de chá de morango, sente o calor, sente o Amor.

Sente, por entre as cobertas, a resposta de suas perguntas.
Sente o beijo estalado na testa, e o que me resta?

Resta continuar sem pressa, não esquecer da reza, e nem do que mais se preza.
Resta caminhar por entre as montanhas, e sentir pelas entranhas os sonetos e artimanhas.
Resta narrar, sem medo de errar, sem medo de sonhar, amar e poetar.

Em raiz ar ele plantou. O final ninguém contou, ninguém achou nem procurou.

E o ponto final, pra trás ficou

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Ap(r)endicite

Cite alguns fatores que me façam não crer no amanhã. Vamos! Diga-me!
Apedreja-me, mate-me com suas palavras, afogue-me na sua saliva, enforca-me com seus pensamentos insanos, profanos.
Devora-me com seus dotes. Aperte-me até que meu apêndice estoure, até que meus joelhos se dobrem e se arrastem pelas calçadas malvadas.

Eu andei hoje por todos os lugares carregando uma carga tão pesada quanto três elefantes... Eu olhava a memória interna e via que não havia nada na parte externa. Então eu deixei de lado todo o fardo excessivo, e continuei caminhando, meu amigo.
Parei numa fonte e lavei meus pés. Larguei os sapatos do lado do vaso de flores, cumprimentei a estátua. Mas ela não me respondeu.
Então cite! Cite alguns fatores que me façam não crer no amanhã.

Vou-me embora pra Amsterdã, tomar um chá, degustar um prato típico, típico de quem tem saúde para esbanjar.
Você tem saúde? Tem? Pra tacar em minha face e gritar suas glórias eternas que vão ser esquecidas quando o sol raiar na próxima semana.

As la mañana!

Ora Chico, por que não me levaste em sua bagagem para Budapeste?
Fora um teste, pra saber até onde resisto...
Então lhe afirmo, eu não desisto.

Ora Lucas, por que não me levas para seu quarto, para seu dia, por que não me buscas pelas mãos? Dê-me essa alegria! Permito-lhe a ousadia.
Aguardo este dia...
Que não há de demorar. Só tenho esta garantia.

Entrei em uma sala, onde havia um homem, pouco velho, cabelos grisalhos e a calvície aflorando, mostrando a experiência conquistada, falando e gesticulando feito jararaca. Uma mulher de cabelos inflados, óculos e um chaveiro nas mãos. Balançava as chaves, irritando a todos que entravam e saíam pela porta estreita. Eram três. A do carro, a da casa e a do cofre. O celular tocando, era o marido suplicando sua presença aos gritos, o filho mais novo tinha dor de ouvido.
Apareceu, depois de um tempo, outra mulher. Entrou, procurou, viu, mas não achou. Cara de coruja, blusa vermelha sem decote algum, sapato de salto anos sessenta, papéis sob o braço flácido e uma caneta entre a orelha. Batom marrom, cabelos ruivos. Acaju.

Suco de caju na mesa posta. Eles se serviam de maneira farta. Pão com patê pra vê se alguém consegue esquecê que em outras mesas não há tanta fartura.
Peito de peru defumado, embolorado sobre o prato de porcelana. Café forte, chá fraco, bolo formigueiro, coca cola zero, biscoitinhos de nata, rosca. Muita rosca caseira. Uma garrafa térmica com leite quente, mas sem nescau. Adulto não gosta de nescau...

Então cite! Cite alguns fatores que me façam não crer no amanhã.

Depois que a lua se for, eu vou-me embora. Vou-me embora para o Rio de Janeiro, olhar o mar, olhar meu par, sentar e sentir o luar, os salpicos do mar, os respingos da maré.
Pois é...

Bati de novo naquela porta. Vi o homem velho, a mulher cabeluda e a cara-de-coruja adormecidos.
Entorpecidos pela madrugada, que vem e arranca o que de ruim sobrou na agenda lotada.

Então cite! Cite alguns fatores que os façam não crer no amanhã.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Osmose reversa.

Guerra preciosa
Pedra amolecida
Luta estagnada
Aeroporto vazio
Evolução curvada
Manhattan deserta
O tolo, o bolo e a vanglória
Homem humilde
Amor egoísta

Queda gostosa
Felicidade sofrida
Plenitude esmagada
O perdedor e o poderio
A galinha e a gemada!
Mestria desleixada
Homem humilde
Amor egoísta

Amor egoísta
Homem humilde
Osmose reversa
Sofre pressão
Muda o rumo,
direção.

Amor humilde
Homem egoísta
Osmose reversa
Reverte!
Humilde egoísta
Homem.
Amor.
Osmose...


Reverte?

domingo, 17 de agosto de 2008

Vômito azedo.

Alguém aí vem pra minha festinha particular?
Falem logo, pra eu botar o nome na lista.

Por enquanto só existe um.
O meu.

Ninguém mais quer vir?
A entrada é franca e eu vou ser franca:

Por que você degusta, degusta e degusta, aí vem o tempo e arranca?

Não estou falando nada com nada, devo estar embebedada de tanta agonia.

Ora meu amig ants era alegria,,,
Hoj eu aocrdei... ai olhei la fora e n tinha sol......
Foda ne irmmao. Frio la fora. eu nao tnho roupa.
Dá mais um gole ai fazendol um favr!


Mais uma dose de agonia, e o frio sumia.
Bebida quente...
Desce fervente pela garganta da gente.

sábado, 16 de agosto de 2008

Vida.

Vi dar os maiores passos
Vi levar os piores tombos
Vi dar os maiores laços
Os melhores traços.

Vi cantar o canto mais bonito
(ou) Vi, de longe, o grito mais grave, aflito.

Eu vi, ouvi.
Eu vejo.
Fica aqui meu ensejo
Quero ser o melhor par.

Eu divido com você o sonho
E até os fones dos aparelhos de som
Eu dou valor ao seu tom!

Mas você dá valor à minha cor?
Ou apenas sente o sabor?
Leva contigo o odor?
O calor?

Eu suplico:
Por favor...
Deixa pra trás aquela dor.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Monólogo.

Andava a toa, sem pro lado olhar, sem a frente ver e com medo de morrer.
Fazia cara de mau, unhas grandes, facão e um pedaço de pau.
O carregava nas costas enquanto a chuva regava a culpa. O insulto na porta da boca, esperava a hora de mostrar a fúria. Na cabeça só ódio e lamúria.
Os amigos ele esqueceu há uns sete quarteirões. O cachorro fiel que o seguia fora chutado. Não servia.

Para ele, nada se via e ele nada dizia.

Dirigia-se em direção à orgia, mas sem nenhuma regalia.

Todavia, toda vida, ele não sabia que quem alimenta más intenções não pode entrar pelos portões brancos.

Foi então que passou ao seu lado, ele mesmo.
Preso em um mundo onde já não se pode mais pedir arredo.
Olho no olho, e o olho vermelho servia de espelho para o que se via agora à sua frente.

O outro ele só trazia um pente. E a vontade quente de se libertar daquela gente.
Agora, não se sabe se há vítima.
Pela sétima vez ele chamava a santa.


Até morrer com um rasgo na garganta.

Suco de açúcar.

Esbanja sabor?
O açúcar cobre o gosto da fruta furtacor
Furta o gosto.

E as mãos só sabem colocar mais e mais açúcar.
Falta paz ao rapaz.
Ele adoça e treme.

Treme, treme, treme e teme.
Teme não sentir mais gosto algum.

A fruta estava podre.
Porém, não se sentiu.


Porque o gosto da fruta, o açúcar cobriu.

Dois tipos da mesma espécie.

Homem comum:

Nasce, cresce, se reproduz e morre.

Homem divino:

Nasce, cresce, cresce, cresce, cresce, cresce, cresce, cresce, cresce, cresce...
e diante dos olhos fartos jamais apodrece.

Vida.

Vi dar os maiores passos
Vi levar os piores tombos
Vi dar os maiores laços
Os melhores traços.

Vi cantar o canto mais bonito
(ou) Vi, de longe, o grito mais grave, aflito.

Eu vi, ouvi.
Eu vejo.
Fica aqui meu ensejo
Quero ser o melhor par.

Eu divido com você o sonho
E até os fones dos aparelhos de som
Eu dou valor ao seu tom!

Mas você dá valor à minha cor?
Ou apenas sente o sabor?
Leva contigo o odor?
O calor?

Eu suplico:
Por favor...
Deixa pra trás aquela dor.

Eu tenho a vida inteira.

Tento tento tento
Tento tento Amor
Tento falar tento
Tento dor
Tendo cor
Tento tanto
tempo!
Tento o vento.

Eu tento de todas as formas fazer não faltar tinta no nosso quadro.

No nosso quarto.

"Mundo farto!"

No nosso fardo.

Eu tenho dois minutos.

Tempo tempo tempo

Tempo tempo tento

Tempo tempo tanto

Tempo tempo tenho

Pouco tempo tempo

Tempo tempo tempo

Tempo dor sem pudor

Tempo tempo tempo

Perco tempo tempo

Terra tempo tempo

Ganho tempo guerra

Tempo tempo tempo...

Tem poeira nos meus olhos

Quando eu vejo tempo

Eu tento tanto e tenho

pouco tempo...

Tempo tempo tempo,

Tempo dor sem pudor.

Perco tempo, Terra ganho guerra.

Tem poeira nos meus olhos quando vejo tempo.


Eu tento tanto...

O que é tempo?



(É só uma palavra feia.)

sábado, 9 de agosto de 2008

Por trás da cortina.

Mordaça, trapaça, arregaça a manga, amassa a canga. Prende o ar e cobre o corpo com a cortina cinza.
Desatina com a fina fita branca, enforca as origens, pega o cabelo e o leva até as narinas.

Sente o cheiro e sente muito.

O velório está marcado e um lugar está guardado, no purgatório.

Ouvia um falatório em sua cabeça e uma voz ecoando sozinha. Sussurrando que tinha alguém vendo o atentado, atendo, sangrento.

Eu era a voz, eu era a vítima, eu era quem via.

Se ao menos pudesse contar isso à alguém um dia...



A lágrima quente escorria e tocava a mente que mente.
Mente mas sente. Sente o frio vindo, lento, tomba, morre e é sugado para um lugar onde o fogo queima a alma.
Foi um presente.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O caos da rosa.


Olha lá! Até as pétalas em guerra.
Guerra pra ver quem vai sentir a terra
Mas conforme o caos come
a rosa
morre.
A pétala
cai.
E então anarquia se faz, meu pai!
Quando se vai, se cai, se ganha.
Nunca vi tanta barganha.
Se ganha, porque mesmo morta
a delicada pétala torta
abre uma porta pra sentir a terra.

Acorda...

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Sanduíche de migalomorfa.

Estava posto em cima da mesa. E o garoto não sabia seu gosto.


Despertou ao amanhecer, ficou na cama por alguns minutos organizando seus pensamentos.
Não rezou, não agradeceu, não acreditava... E ainda ria de quem por ele orava!
Pisou no chão gelado, perdera a meia em meio à cama.
Se arrastou pelas paredes, com um olho aberto e outro fechado, estava acostumado...
Apoiou-se na pia, olhou-se no espelho, não gostava do que se via.
Cadê a luz que irradia?

Um reflexo saía de seus olhos verde-água.
Deixava correr a água pelas mãos quentes.

Sorriu, só pra ver se ainda tinha todos os dentes.

Seu braço magro, coberto por hematomas, só tinha força pra estender uma rosa a quem amava.
A quem por ele orava e chorava, por ele acreditava.

Vestiu sua camisa amarrotada e seguiu rumo a cozinha bagunçada.
Morava sozinho porém, acompanhado.
Morava sozinho em seu quarto, morava sozinho em sua vida.
Uma vida que não tinha vida, uma vida morta já que era um morto-vivo.

"Bom dia!" - era o que o bule o desejava.
"Bom dia só se for pra você, bule estúpido!"

Olhou para os armários e notou que estavam todos fechados. A louça, lavada. A pia, arrumada.
Fez uma cara de espanto e seguiu até a lavanderia. Roupas passadas, camisa engomada, e um bilhete. "Não coma o sanduíche. Com amor, Alana."

"Ora, que inferno. Quem cuida de alguém aqui, sou eu!"

Cuidava de Alana como se fosse sua filha. Mas não cuidava de seu eu, de seu seu.

Voltou para a cozinha e lá estava, sobre um pires amarelo, o sanduíche.
Com a boca cheia d'água, amarga, cortada e tomada por curiosidade, deu uma dentada.

"Saboroso..."

O gosto final era fatal. Um anestésico mortal.
Sanduíche de migalomorfa.
Morreu por causa do veneno.

Viu sua vida em dois segundos.
A infância rolando junto com o feno, a adolescência se apagando junto com seus cigarros e...


Alana, Alana, Alana, Alana, Cuidado, A lama, A ama.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cor de melancia.

Todavia eu via, que vermelho era cor de melancia.
Mas eu não sei quem escrevia isso com tanta rebeldia.
É um vermelho falso, aguado, eu diria.

Vermelho vivo pra mim é cor de sangue, cor de luta, cor da ardente, chama
cor de lençol de cetim que cobre a cama.
Cor da garra da mucama.
Cor de quem se pinta com lama
e deixa o sol secar.

Mas quem seca é ar!
E o ar, tem cor de quê?
Ar tem cor que não se vê.
Ar tem cor que refresca, que limpa, purifica.
Ar tem cor de quem diz ir embora
mas não agora.

E o agora? Tem cor de quê pra você?

Tem cor de quem fica parado enquanto o frio congela o senhor ali calado, sentado. Abandonado.
Tem cor do dinheiro roubado, extraviado, levado pro levado que gosta de um dinheiro lavado.
Tem cor de quem só quer saber do odor do perfume francês que por sua vez tem cor de estupidez.






E a estupidez tem a cor de todos vocês.

(Eu só queria um dia, ver o mundo tomado pela cor de melancia.)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A fabulosa história dos Scharra.

Ora quem ousaria contar tais fatos e relatos, tais pecados e segredos guardados?

Era um menino que não sabia quais eram as cores que pintavam suas histórias, era um menino sem muita memória. Preferia acordar e esquecer o que havia vivido na noite anterior. Levava uma vida sem muito Amor. Banhada de Deus e eus. Mas sem muito Amor.
Não sabia onde poderia aplicar seus poderios, já que nem ele mesmo sabia quais eram. Faltava luz. Faltava água... Faltava gás. Mas sobrava telefone. Pra combinar pra onde iria naquela noite. Beber sem ver era seu lazer. Viver, viver, sem ninguém a te prender.
(...)

Era uma menina que sabia quais eram as cores que não pintavam suas histórias, imaginava dentro de seus eus, com a ajuda de Deus, as cores que faltavam. Preferia acordar e escrever o sonho que havia tido na madrugada fria. Ela sabia. Ela podia, ela esperava. Esperava e orava por alguma luz.
Alguma luz que ela também não tinha. Mas talvez soubesse aonde encontrar.
Em uma noite vazia fora pro mar, olhar o luar, ficar a sonhar, ficar a pedir. Ficar a esperar por algo a vir.
(...)

Era uma noite em que o menino e a menina se encontraram, não seus estados físicos. Mas sim seus espíritos cheios de fé. E deu-se a luz. A que ninguém até então tinha.
Assim que os dois se encontraram, as cores e histórias tomaram cada qual seu devido lugar. Agora tudo tinha luz, luar. Parecia algo lunar... A cena se passava bem devagar.
As almas se amaram por um tempo, e era tanto amor que nem queriam saber dos corpos.

Quando os corpos se uniram formando o abraço mais puro do mundo, eu estava.
Eu vi. Eu chorei por dentro de tanta emoção.

A menina viajara por uma noite inteira e mais a metade de uma manhã de sol, pra satisfazer a vontade de o ter, de o ver, de o receber. Ah! Os prazeres do corpo! Tato, olfato, visão, paladar e audição...

L'amour de moi, uma canção. A canção francesa mais linda do século XV.
Acredito que as almas se amam desde muito antes.

Hoje eu me sinto como um anjo, vivo a proteger os Scharra. E canto.
Canto a canção-encanto. Canto pra não haver pranto derramado nos lençóis do casal que é a minha vida, os cubro com o manto.
Acalanto...