sábado, 28 de fevereiro de 2009

Pique-esconde.

"...Dezoito, dezenove, vinte! Lá vou eu".


Corri até o lago.
Desci as escadas que levavam até o porão.
Passei três vezes pela mesma árvore,
pela estatueta de mármore,
e pelo jardim de margaridas.

Ah! E eu desesperava!
Despetalava,
Me sujava e me lavava
e quanto mais água eu botava,
mais eu me manchava!

Mas no final de cada pique,
no final de cada linha,
eu percebia que cores pra pintar era o que eu mais tinha!

Mas no início de cada palma,
no início de cada poesia,
eu descobria que ainda havia o resto do todo do dia.

E a cada segundo eu me despia.
E a cada roupa que caía, surgia outra melodia.
Nessa de se esconder, me aparecia sempre mais um lago,
mais uma escada,
mais uma árvore,
mais uma estatueta de mármore.
E mais mil e uma margaridas.

Ai, ai, são tantas voltas,
tantas vindas e vidas...

Tantas idas!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Avenida do Eu te amo.

Querida Alana,

Quero lhe contar umas coisas, que por várias vidas me fizeram voltar alguns metros enquanto eu achava que só andava pra frente. Quero lhe perguntar por quanto tempo estive longe. Preciso saber se demorei.
Estou morando em um lugar distante. Seria bom passar uns dias aqui comigo. Não tem nada. Nenhum barulho. Nenhum móvel, nem colchão. Trouxe de casa apenas uns pergaminhos e tinta... Pra te pintar em mim, e me pintar pra você.
O amanhecer aqui é lindo. Me faz lembrar daqueles dias em que você acordava mais cedo por minha causa. Me faz lembrar do cheiro daquela época... Te contei que ela tem cheiro?
E tem som também. Bem baixinho, quase não se ouve. Respiração, e só.

Ontem, antes de me deitar no chão que me falta, revivi seus movimentos, lentos. Até que eles se congelassem, pra eu poder guardar por mais um tempo.
Não sei se você vem, não sei se você volta, ou se vai ler o que senti nesta carta.
Na vedade eu só queria cuspir tudo isso, pra ver se esse eco de um grito sem som chega até aí. Sei que se chegar, vou receber seu sorriso na porta de casa, junto com o escurecer desse céu, que não vejo.

Não gostaria de enviar meu endereço porque eu vivo escondido no meu vazio, e tenho medo de alguém me achar. Espero que o destino envie esta carta empoeirada de lembranças para o destino certo. E quando a receber, cabe a você guardá-la contigo, pra que um dia, caso queira, venha por ela me visitar.

Avenida do Eu te amo, número 7.
Sem complemento... E a cidade você já sabe.

Lembra-se de quando sonhávamos em morar nesse endereço, sem ao menos conhecê-lo? Eu vivia a idealizar, enquanto você ria e dizia: "Só um colchão e uma caneca, não precisamos de mais nenhum adereço!".
E no meu próximo levantar, eu me via sem o meu eu e sem o meu par.
Saiu por aquela porta durante a madrugada. Eu jamais vi.

E hoje, depois de tanto te procurar em outras pessoas, depois de tanto cuidar de você mesmo não sabendo por onde pisas, depois de tanto me perder pela avenida que eu mesmo resido, percebi o meu erro.
Por vidas, caminhei sozinho.
Por vidas, caminhei contigo.
Mas por apenas um dia, eu não quis caminhar.

Justamente nessa mísera falta de vontade, falta de força e coragem, é que pequei. E percebi que talvez por isso você tenha saído pela minha porta, me deixando apenas um bilhete:



"Sabe quando se tem muita fome, e come e come e come, mas nada sacia?".

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Ninguém

E não se viu, foi andando, continuou seguindo seu caminho com os calos dos dedos do pé esquerdo arrastando. E a boca espumando, temperatura ambiente um tanto alta, alma fria. E não se via, mas foi andando, mentira dentro da mochila, contradição pulando do abismo que era a mente, a mente que mente. Que graça tem ir embora sozinho? E ele pára e senta em um banquinho. Tira o chambinho tubinho do bolso de fora da bolsa de mão, pensa em seu irmão. Tá lá... Trancado no quarto de cinco paredes, rezando pra poder comprar uma rede, porque outro jeito de encontrar sua paz não se conhece. Mas prefere não se intrometer. Ama cinema, ama poema. Cavou, cavou, cavou, e só ele achou problema. Acontece que na maioria das vezes, a dermatose está na própria pele. E o tratamento, a cada momento, encarece. Já são sete da manhã. Anda mais sete quarteirões, abraça os joelhos pra apanhar uma romã.

De duas uma: ou enxerga o que se mostra, ou vê sempre a versão oposta.
Ao invés de romã, devia ver o amor que lhe era mostrado.
Era tanto, vinha aos montes, enlatado!

Eu sei, às vezes é duro de aprovar. Mas o olhar crítico eu aprendi a ter. Depois de tantas palavras a me bater, resolvi ignorar o sangue, e subir o rio. Nadar na montanha. Banhar-me no mangue. De treze estrelas que havia no seu céu, passei a ter doze. Uma pra cada mês. Ai ai ai que engraçado... Um tanto irônico eu diria. Não, não, ironia não. Coisa de gente fraca que quer ser forte. E quem se julga mais robusto, engana a sorte. Até que a espada o corte! Deus me livre!

Já está tudo traçado, olha só...
Pois por meses estivemos enganados.

Morremos pra voltar a viver, adicionar íris aos novos olhos, aclamar novas dádivas, a alma com mais sede de glória se agita, e você se vê um pouco mais valorizado, de olhos bem cerrados, porque o tapa já foi dado, o machucado, cicatrizado, a cicatriz quase esquecida, mas ninguém nunca revida, mesmo deveras cansado, atordoado, vai pra dança de salão, deixa o peixe nadar, ora, a lã enrola e espanta o frio, acorda a noite, pra cobrir o filho, do chapéu do mágico surge a verdade, e a cada dia que passa, mas se despercebe a tal idade, tira o sossego de dentro do pote de mousse de maracujá, e rema, rema, rema, rema e rema conforme a correnteza lhe põe a mesa do chá das cinco, bolacha amanteigada, o moço, a moça e o clube, e a nudez dos braços, e o conto, e o canto, e os pássaros...

Pensei, apressei o passo...


Já se passaram das sete e quatorze...



Será que esqueci naquela casa o ego, a posse e a pose?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Reino de Papelão

Feito de realidade, num passe de mágica, fez-se a erguer no meio da sala.
Sem cor, mas com cheiro, talvez feito de amor, surgiu como o mar
e sumiu como ar
Eu não lastimei, mas senti a pontada
e depois passei uma daquelas pomadas, pra tentar aliviar.

Feito de açúcar sem ser refinado, tinha cortinas de fino trato
e a muralha que cercava era uma fita branca de cetim
E eu a sorrir, esperava o banquete e meus convidados.
Ilusão doce como a sobremesa, porque dentro de toda a beleza
só cabia a mim.


Ilusão amarga como coentro,
eu era o centro.
E no resto da sala
eu só via a porta.



E a minha enorme mala.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Corte.

Entre o banco e a vida, entre a vida e a praça, entre a praça e a avenida,
entre a avenida e a chama, entre a chama e o cano, entre o cano e a cama,
entre a cama e a palma, entre a palma e a pluma, entre a pluma e a calma.

Entre a garganta e a santa, entre a santa e o mundo, entre o mundo e quem canta,
entre o canto e a alegria, entre a alegria e o chá, entre o chá e a alergia,
entre a alergia e a tinta, entre a tinta e a pele, entre a pele e a pinta.


Entre o curativo e o corte.
Entre o certo e a sorte...



Entre a vida e a morte.