sexta-feira, 27 de março de 2009

Doce Dulce.

Cantou por noventa (e tantos!) anos ao pé do ouvido dos netos, a canção que ouviu por tantos e tantos anos saindo do peito do avô.
Mas aos poucos, a voz falha, a perna cansa, o peso pesa. Já suas palavras nunca morrem. A cada dia que acorda, cria um novo acorde e uma oração.

"Que horas são?"
"São seis e meia."

E de meia em meia hora, a enfermeira ia lá pra fora e lia de jornal a rótulo de inseticida.

Ah! Como eu me lembro da infância ralando o joelho, mas rolando de rir... E na ameixeira eu subia até cair, sempre levantando com o pote e a boca cheia.

A última vez que a vi, foi há alguns dias. Segurou minhas mãos de forma doce e rezou pra que eu, segura, pudesse partir.

E eu fui, mas ela ainda não. Está cansada demais até para o eterno dormir.
Acontece que eu é que não volto! Ir pra casa pra quê? Pra ver, sem querer, um alguém tão querido padecer por causa de tanta ferida?

"Que horas são?"
"São sete e meia!"

Sete flores. Sete versos. Sete cores.

Ainda posso ouvir ela cantando sua cantiga preferida, enquanto me segurava no colo, ainda pequena.

"Tic tac, cambarola. Bate dentro, bate fora!"

E hoje sou eu que canto, lembrando sempre do seu manto e secando todo o pranto.

"Tic tac, cambarola. Bate dentro, bate...
...bate...
...bate?"

quinta-feira, 26 de março de 2009

O inconformado.

Toda quinta-feira, descia a rua principal gesticulando e fazendo cara feia pra quem passava. Xingava a brisa, pisava forte, balbuciava meias palavras, pensava meias metáforas. E se jogava fora. Pegava fogo, cuspia. Era sempre o certo, era sempre o coitado, o prejudicado.
Nunca o predicado! Sujeitinho mal caráter... E eu julguei mesmo. Lembrava da cara feia o tempo todo, enquanto andava, enquanto comia, enquanto sambava, enquanto ria... Enquanto eu ia...

Ia, ia, ia... Aí me lembrei do dia em que dei tchau pra covardia e esqueci a melodia exatamente ao meio dia. Era 12 de janeiro, eu achava que tinha deixado o riso inteiro, mas percebi que ele me acompanha.
Quem ficou pra trás, só ficou.


Ficou com as frustrações que tentou colocar na minha mala.
Mas vou te contar bem baixinho, quase sussurrando:
A verdade é que a vontade é a visitante mais passageira!
Fui mais esperta e acertei a nota! Pensou que foi ligeira...

E levou uma rasteira.


O segredo é sempre esse!
Esquecer o que joga, o que xinga e o que frustra.
Junta tudo numa trouxa, tal qual a roupa suja.
A diferença é que não se lava. Bota tudo na lixeira.

Incrível!


Hoje em dia o povo tá sem eira nem beira.

sábado, 21 de março de 2009

Engolindo o seco

Acordei pisando em falso hoje cedo. Chutando a memória pelo quarto, tropeçando nos sentidos...
Seria perfeito se eu relatasse aqui, uma carta qualquer sem nenhum sentimento.


E depois de tomar meu café amargo com pão amanhecido, só consegui pedir forças pra conseguir viver até daqui a pouco.




Mas mais parece daqui a tanto...

sábado, 7 de março de 2009

Bar, doce bar.

BARGANHE! - E berrava cuspindo os goles que acabara de engolir. Em parte, é claro. De uma dose, tomava metade. Um pouco caía pela mesa, e da mesa ia ao chão, escorrendo feito o ódio em seu corpo.

EU LÁ TENHO CARA DE QUEM ESPERA A VIDA INTEIRA? - E se perguntava, impaciente. Quase de forma indecente... Tinha pressa, muita pressa. Sabia muito, sabia de quase tudo. Ou achava que sabia.

ME DÊ MAIS UMA, E CAPRICHA, PORQUE AMANHÃ QUERO NÃO ACORDAR.


Ou acordar e não lembrar das perdas e danos que não foram processados.
Dos processos que não foram ganhos.
Dos ganhos que se transformaram em perdas.
Das tantas cordas que não quiseram me enforcar.



Eu não queria mais respirar...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Aflora, flor.

Ora, ora, ora... Pois não importa se os poetas ficam a encantar ou vão embora.
Não importa se flor se rega
ou se só chora.
Não importa nem a hora...
Se se machuca por dentro, ou por fora.

Desde que levante pela manhã e suspire
Desde que sonhe a todo instante
Desde que seja capitã do grande navio e navegue à todo pano...
Que faça do pouco, o inteiro.
E sorria...
Pode se considerar flor, Flor.

Leve feito ar, grande feito mar, nobre infinitivo do verbo AMAR.
Porque este existe e nos alimenta. Não venha me dizer o contrário só por ver padecer aquele que não fez por merecer. Que teve a doçura de seus toques e rimas... E mesmo assim quis ir embora pra casa.

Veja só o que tenho a lhe contar. Escrevi em um pequeno guardanapo, a grandeza desse segredo, e se pudesse lhe enviaria, pra que fosse lido se, por acaso, chegasse a cambalear pelas calçadas.

"Se dotadas de amor, equilíbrio e tranparência
Todas somos flores.
Cada qual com sua essência.
Cada qual com suas fraquezas e dores...
Amores."