quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cor de melancia.

Todavia eu via, que vermelho era cor de melancia.
Mas eu não sei quem escrevia isso com tanta rebeldia.
É um vermelho falso, aguado, eu diria.

Vermelho vivo pra mim é cor de sangue, cor de luta, cor da ardente, chama
cor de lençol de cetim que cobre a cama.
Cor da garra da mucama.
Cor de quem se pinta com lama
e deixa o sol secar.

Mas quem seca é ar!
E o ar, tem cor de quê?
Ar tem cor que não se vê.
Ar tem cor que refresca, que limpa, purifica.
Ar tem cor de quem diz ir embora
mas não agora.

E o agora? Tem cor de quê pra você?

Tem cor de quem fica parado enquanto o frio congela o senhor ali calado, sentado. Abandonado.
Tem cor do dinheiro roubado, extraviado, levado pro levado que gosta de um dinheiro lavado.
Tem cor de quem só quer saber do odor do perfume francês que por sua vez tem cor de estupidez.






E a estupidez tem a cor de todos vocês.

(Eu só queria um dia, ver o mundo tomado pela cor de melancia.)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A fabulosa história dos Scharra.

Ora quem ousaria contar tais fatos e relatos, tais pecados e segredos guardados?

Era um menino que não sabia quais eram as cores que pintavam suas histórias, era um menino sem muita memória. Preferia acordar e esquecer o que havia vivido na noite anterior. Levava uma vida sem muito Amor. Banhada de Deus e eus. Mas sem muito Amor.
Não sabia onde poderia aplicar seus poderios, já que nem ele mesmo sabia quais eram. Faltava luz. Faltava água... Faltava gás. Mas sobrava telefone. Pra combinar pra onde iria naquela noite. Beber sem ver era seu lazer. Viver, viver, sem ninguém a te prender.
(...)

Era uma menina que sabia quais eram as cores que não pintavam suas histórias, imaginava dentro de seus eus, com a ajuda de Deus, as cores que faltavam. Preferia acordar e escrever o sonho que havia tido na madrugada fria. Ela sabia. Ela podia, ela esperava. Esperava e orava por alguma luz.
Alguma luz que ela também não tinha. Mas talvez soubesse aonde encontrar.
Em uma noite vazia fora pro mar, olhar o luar, ficar a sonhar, ficar a pedir. Ficar a esperar por algo a vir.
(...)

Era uma noite em que o menino e a menina se encontraram, não seus estados físicos. Mas sim seus espíritos cheios de fé. E deu-se a luz. A que ninguém até então tinha.
Assim que os dois se encontraram, as cores e histórias tomaram cada qual seu devido lugar. Agora tudo tinha luz, luar. Parecia algo lunar... A cena se passava bem devagar.
As almas se amaram por um tempo, e era tanto amor que nem queriam saber dos corpos.

Quando os corpos se uniram formando o abraço mais puro do mundo, eu estava.
Eu vi. Eu chorei por dentro de tanta emoção.

A menina viajara por uma noite inteira e mais a metade de uma manhã de sol, pra satisfazer a vontade de o ter, de o ver, de o receber. Ah! Os prazeres do corpo! Tato, olfato, visão, paladar e audição...

L'amour de moi, uma canção. A canção francesa mais linda do século XV.
Acredito que as almas se amam desde muito antes.

Hoje eu me sinto como um anjo, vivo a proteger os Scharra. E canto.
Canto a canção-encanto. Canto pra não haver pranto derramado nos lençóis do casal que é a minha vida, os cubro com o manto.
Acalanto...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

As flores de Marco Antônio.

Numa noite fria, o Poeta e sua dama conversavam e tomavam chá, sentados em cadeiras cor- de- laranja:

- E as flores de Marco Antônio, minha Flor?
- Ah! As flores de Marco Antônio cá não estão mais, porém o aroma permanece na janela de meus aposentos.
- Eram tão belas! Passe-me o açúcar, por favor?

A Flor, paralisada, entrega o açucareiro nas mãos que acariciam seu rosto pela manhã, e se prende em pensamentos infinitos, "As Flores de Marco Antônio... As Flores de Marco Antônio..."


- Meu Poeta, é um belo nome para uma minissérie.
- Ora, pois isso é nome de livro! Isso é nome de livro! - repetiu, batendo os pés.

A Flor se prendera novamente em seu infinito real, pensando no nome, pensando nas flores, pensando no cheiro, no abraço, em Marco Antônio.

"Por onde andas, Marco Antônio?"

- Pois bem, escreverei sobre suas flores. Dou-te os créditos pelo título, Poeta.
- Flor, um verdadeiro artista reconhece seus próprios feitos!


Contemplo a perfeição de suas flores, Marco Antônio... Permita-me?
É fato que ele permitiria! Pois que graça teria, perder seu tempo atrás de tão belas flores para a amiga Flor?

Marco Antônio, um menino de coração puro, dono de uma fidelidade imensa. Foi assim que conquistastes a amizade da Flor?
Foi assim que conquistastes o coração da Flor. Foi assim que entrastes em suas histórias, bizarras histórias de amor. Muitas... Todas, menos uma, com um final. Feliz ou não.
Marco Antônio, Marco Antônio, estás ao lado esquerdo do corpo da Flor. Guardado e prezado em sua memória, em sua morada, em sua calçada.
Lembrado em todas as manhãs e durante a escuridão.

E a Flor se debulhava em lágrimas lembrando da noite em que ele se dizia adoecido.

"É doença grave, Flor... se eu me for, nunca duvides de meu Amor.”

Chorou durante a madrugada inteira, rezou durante a madrugada inteira... Durante a semana inteira.
Foi um belo susto.
Marco Antônio e suas peças! E seus teatros, personagens... Muitos personagens.
Todo cheio de drama (épico!).


É digno ressaltar que o perfume das flores de Marco Antônio continua a vagar por este quarto.
Cada qual com seu nome, sua essência flor, cor.

Mas essa já é outra história...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Unha encravida.

Era uma vez, era um lugar comum... uma unha.
Habitava um pé direito, ralado, sujo e mal cheiroso de um mendigo que sonhava em ter uma sorveteria.
A moradia era como um trailer, nunca em lugar fixo, estava sempre a viajar.


A unha, que estava em suas últimas, já tinha visto o que o próprio mendigo não via. Um mundo gigante e um pequenino.
O pequenino era ignorado pelo homem, já que os olhos dele eram tomados por desesperança.
O pobre só enxergava o óbvio. O grande. Os olhos já não mais iam além daquela esquina.


Então a unha conhecera uma formiga e uma abelha. A abelha estava doente, já a formiga sempre contente, mesmo carregando um fardo nas costas rua adentro.
A abelha só queria poder levar um pouco mais de pólen às outras, mas as asas fracas a impediam.
A formiga só queria guardar um pouco mais de mantimento, pra depois não precisar sair no frio e no vento.
E a unha encravada só pedia mais vida.


Pra poder contar a todos suas aventuras vividas.

As histórias sofridas.

As memórias mantidas...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Tempo eira nos meus olhos.

Faz lacrimejar, faz-me não enxergar.
Faz a pupila dilatar.
Faz-me perceber que o belo é o não visto...
Faz-me aprender que o tempo é ilusão.
Faz-me pensar que bicho papão é urso de pelúcia.

Falta de astúcia!

Tempo eira nos meus olhos.
Pisco, desesperada, e nada!
Pingo colírio, e rio.
Pois não basta!

Sinto a íris se desfazer.
Como se um grandalhão pisasse em meu castelo de areia.

Sem meus olhos eu enxergo a sereia.


"Ei, volte aqui com sua beleza!"

Foi-se embora...

E agora?

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Grampeador.

Alguém me empresta? Alguém me empresta um grampeador?
Eu preciso tanto, preciso tanto grampear essa dor.
E subtraí-la do meu dia, do meu amargo dia...

Ninguém tem pra me emprestar?
Não vende em algum lugar?
Eu preciso voltar a respirar ar.

Enquanto não o acho, ficarei aqui a poetar...

domingo, 20 de julho de 2008

Retrato.

O que eu retrato por trás do retrato?
O que eu retrato por trás do trato?
Por trás do ato?
O que eu retrato por trás das lágrimas?
Por trás das rimas?
O que eu retrato por entre as ruas?
Por entre a chuva, por baixo da luva?

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Apelo. Apego.

Hoje eu senti que não há barreiras no Amor. Não há limites... O que eu já sabia e já pregava. Mas hoje eu senti.

Arrepia-me a alma ver que eu não estou sozinha nas batalhas que enfrento. Nas batalhas que me surgem todos os dias.
Arrepia-me a alma ver que meu grito não somente ecoa, mas voa longe... Toca outros ouvidos. Toca outras vidas. Vidas vazias que se engrandecem em um milésimo de segundo. Olhos vazios que ganham brilho por causa de um simples abraço. Sorrisos vazios que se tornam puros após ouvir balbuciar quaisquer palavras, poesias.

E nesse apelo diário, nessa agonia, eu aprendo que o Amor é mais forte do que eu pensava que era.
E nesse apego diário, nessa melodia, eu aprendo que o que era dor é mais útil do que eu pensava que era.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Cinco ave-marias, dez pais-nossos e um copo de vinho tinto.

Hoje ela acordou e largou a medalha de Nossa Senhora no chão do quarto escuro, abriu a porta com força e se arrastou até o banheiro. Olhou pro espelho e viu os olhos cobertos por olheiras, olhos de ressaca assim como os de Capitu. Passou a mão pelas bochechas marcadas pela fronha do travesseiro. Sentiu o peso dos punhos sob a face leve. Viu o semblante tomado por culpa e pecado.
Lembrava de um presente que havia dado a uma Flor, 17 anos atrás. Já não lembrava mais do significado da vida. Sentia um forte impulso nas costas e a reprimia. Apertava suas pétalas, não queria que o vento as tocasse. Não queria que a chuva as lavasse.
Cuidava tanto que se descuidava. Não queria que beija-flor as beijasse.
Sem tomar banho, trocou as calças, calçou o chinelo por cima das meias, sentou-se à mesa posta.
Tomava um suco de laranja que descia rasgando, que cortava a garganta, que picotava a alma, mastigava uma torrada seca e áspera.
Levou o dia todo assim, não viu a borboleta a passar na sua frente, não viu o sorriso na criança sem dente, não viu o curar do doente.
Só pensava no pecado da Flor.
Não tinha fé em quem um dia teve, teve medo. E o medo, meu amigo, não existe no Amor. Não existe na vida, na vida da Flor, feita de amor, não.

Ao chegar em casa e arrancar os sapatos. Jogar a bolsa no sofá da sala, tomou um copo d’água e voltou para o quarto.
Apanhou a medalha do chão, e fez uma oração. Cinco ave-Marias, dez pais-nossos e um copo de vinho tinto.

Amanhã, ao acordar, tomará mais cuidado. Deixa que a Flor se rega.



















Porque se apertar muito escorrega.