quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Ap(r)endicite

Cite alguns fatores que me façam não crer no amanhã. Vamos! Diga-me!
Apedreja-me, mate-me com suas palavras, afogue-me na sua saliva, enforca-me com seus pensamentos insanos, profanos.
Devora-me com seus dotes. Aperte-me até que meu apêndice estoure, até que meus joelhos se dobrem e se arrastem pelas calçadas malvadas.

Eu andei hoje por todos os lugares carregando uma carga tão pesada quanto três elefantes... Eu olhava a memória interna e via que não havia nada na parte externa. Então eu deixei de lado todo o fardo excessivo, e continuei caminhando, meu amigo.
Parei numa fonte e lavei meus pés. Larguei os sapatos do lado do vaso de flores, cumprimentei a estátua. Mas ela não me respondeu.
Então cite! Cite alguns fatores que me façam não crer no amanhã.

Vou-me embora pra Amsterdã, tomar um chá, degustar um prato típico, típico de quem tem saúde para esbanjar.
Você tem saúde? Tem? Pra tacar em minha face e gritar suas glórias eternas que vão ser esquecidas quando o sol raiar na próxima semana.

As la mañana!

Ora Chico, por que não me levaste em sua bagagem para Budapeste?
Fora um teste, pra saber até onde resisto...
Então lhe afirmo, eu não desisto.

Ora Lucas, por que não me levas para seu quarto, para seu dia, por que não me buscas pelas mãos? Dê-me essa alegria! Permito-lhe a ousadia.
Aguardo este dia...
Que não há de demorar. Só tenho esta garantia.

Entrei em uma sala, onde havia um homem, pouco velho, cabelos grisalhos e a calvície aflorando, mostrando a experiência conquistada, falando e gesticulando feito jararaca. Uma mulher de cabelos inflados, óculos e um chaveiro nas mãos. Balançava as chaves, irritando a todos que entravam e saíam pela porta estreita. Eram três. A do carro, a da casa e a do cofre. O celular tocando, era o marido suplicando sua presença aos gritos, o filho mais novo tinha dor de ouvido.
Apareceu, depois de um tempo, outra mulher. Entrou, procurou, viu, mas não achou. Cara de coruja, blusa vermelha sem decote algum, sapato de salto anos sessenta, papéis sob o braço flácido e uma caneta entre a orelha. Batom marrom, cabelos ruivos. Acaju.

Suco de caju na mesa posta. Eles se serviam de maneira farta. Pão com patê pra vê se alguém consegue esquecê que em outras mesas não há tanta fartura.
Peito de peru defumado, embolorado sobre o prato de porcelana. Café forte, chá fraco, bolo formigueiro, coca cola zero, biscoitinhos de nata, rosca. Muita rosca caseira. Uma garrafa térmica com leite quente, mas sem nescau. Adulto não gosta de nescau...

Então cite! Cite alguns fatores que me façam não crer no amanhã.

Depois que a lua se for, eu vou-me embora. Vou-me embora para o Rio de Janeiro, olhar o mar, olhar meu par, sentar e sentir o luar, os salpicos do mar, os respingos da maré.
Pois é...

Bati de novo naquela porta. Vi o homem velho, a mulher cabeluda e a cara-de-coruja adormecidos.
Entorpecidos pela madrugada, que vem e arranca o que de ruim sobrou na agenda lotada.

Então cite! Cite alguns fatores que os façam não crer no amanhã.

2 comentários:

Willian disse...

É.... quando achamos que sabemos as respotas, não é que as perguntas mudam?


Não tenho um bom motivo para crer, mas precisa?

Paulo Henrique Motta disse...

Inspirador...