terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"Tem hora que a paciência estoura, se fragmenta em milhares de pedacinhos.
Mas eu não tenho vergonha na cara... Acabo sempre me ajoelhando e recolhendo um por um.

Que é pra colar depois do almoço."
"Tem dias que eu transpiro saudade e leio verdades minhas que havia esquecido. Depois de tanta salsa, samba e sapateado, eu olho pro lado e vejo os sete poemas jogados pelo quarto. Me coloquei em quarentena. Na verdade, é licença médica... Me afastei dia desses porque queria tirar férias do Amor. Tentativa vã; já disse aqui que o Amor permanece mesmo que os Amores vãos se vão, saindo sempre pela porta de entrada. Porta essa, que nunca fecho. Mesa posta e farta... Apesar da fartura, me sobra também a fadiga. E eu que o diga, ultimamente tenho acordado cedo, bem antes do sol, que é pra deixar a cama esticada caso alguém grite lá fora."

domingo, 29 de novembro de 2009

nove goles

quarta-feira era dia de festa
extra! extra! tombo tolice e temor tomaram um copo de vinho






tinto

quinta-feira era dia de tinta
pinta pinta os feitiços, os fatos e a fidalguia de amarelo


ouro


um, dois, três,
quatro, cinco... hm... seis sete, oito...
me vê outro?

sábado, 12 de setembro de 2009



Eu fico com as asas.
Quem nunca tira os pés e os olhos do chão, por mais que saiba em que terreno pisa, não consegue sentir o céu. Descobrir que aquele azul na realidade tem um nome, e que a imensidão é absurdamente ilimitada. Como os caminhos a seguir, como a (in)sanidade. Como o silêncio, as nuvens e os sonhos. Como toda e qualquer dúvida, como a simplicidade de um doce toque entre duas mãos. Como dados de mil faces, como os números e como tudo o que não se deve revelar.
Divirto-me entre as marquises. Ah! Ilustre sonho, majestosa vontade, delirante saudade.


Equilíbrio desajustado, destino destraçado, distúrbio irrevogável.
Xícara de barro, café gotejante, queijo mineiro e um banquete inteiro a servir.
Creme sabor pêra, corpo livre, pele macia.
Um desejo incontrolável de saciar o que não se sacia.
Olhares e sentidos, sentidos sete vezes com todas as capas e cartas na mesa.

Ajustar duas balanças, traçar um caminho novo, desalinhar a sanidade.
Caixa mágica, silêncio inquietante, bolo de nuvem e suco de sonhos.
Geléia do sabor que quiser, vento frio, alma quente.
Uma saudade incontrolável do futuro presente.
Suposições e mãos dadas, dados de mil faces sem nenhum número a revelar.


Mas cá entre nós... Se te dissessem "ou a ponte ou as asas", o que escolheriam?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009


Sem nem ousar minutar
desceu as escadas com a faca e o queijo na mão
Tem esse desespero, treme, teme, afoga ao respirar
devaneando pela solidão,
enternecendo cada ladrilho que pisa
enobrecendo o novo encanto...
Chega a provocar espanto
em uma, duas e até três daquelas balizas.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ambiente: a mesma sala arejada com sua poltrona vermelha e seu criado-mudo.
Data: 09 de setembro de 2009.

Situação: Uma mulher beirando seus 42 anos, revoltada com a indecisão de alguns jovens que não sabem aproveitar a vida que o amor tem pra dar.

"Nunca fui de regular sentimento, não. Eu sempre tive Amor em mim, mesmo que 'os amores' saíssem pela mesma porta que entraram. Era bem intensa. Quando estava feliz, eu estava mesmo. Quando triste, desabava. Parecia que meu problema era o maior do mundo. Depois fui descobrindo que o problema é o mundo, em carne, osso e emoção. Uma loucura! Escasso, tudo muito escasso. Olhava pro espelho, roubava um batom da bolsa e já ia escrevendo meio verso livre. Hoje eu fico aqui, sentada fumando meu Djarum Black, cigarro de frutinha. Entre uma tragada e outra, revelo mais uma face que me habita. E eu garanto pra vocês, todas elas amam. Todas elas espalham amor junto com a fumaça, até irem desaparecendo e dando lugar pra outra. Nova.
Esse é meu grande segredo. Nunca matar o amor. Você pode ir morrendo, aos poucos. O cigarro pode te ajudar nessa etapa... Câncer de pulmão, dentre fraco, amarelado. É, o sorriso é primordial pra manter-se vivo, pode anotar o que digo. Apesar de aparentemente ser só mais uma desocupada, apesar de aparentemente sempre ter sido só mais uma desocupada, eu amo. Sempre amei e sempre vou amar. Tanto tipinho aí, que trabalha, estuda e ainda faz natação se achando pleno. Na realidade você pode fazer tudo e pode não fazer nada. Mas se amar, vai se sentir sempre completo."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Depois de um litro e meio de pinga das boas, vi rodar o meu mundo de uma forma que jamais tinha visto - como no carnaval, em que se espatifam carros em milhares de pedacinhos naquelas curvas do sul de Minas.

Desço, rebolando, até sentar e bater a cabeça no rodapé.
Desço, descascando o esmalte, arranhando o salto no chão, desamarrando o cabelo, borrando o batom
Desço e limpo o canto da boca, reclamo pra vida, enlouqueço as paredes, desço e me sinto oca
Oca dos pés a cabeça, e eu nem desconfiava... Jurava que a vida era plena, que por onde pisava era plano, e agora plano por entre as nuvens de um céu que não tenho.

É estupenda a maneira com que regem a nossa cegueira. Vi o par de olhos que não nasceram em mim brilhando há duas semanas, vi dois braços que um dia cobriram meus dias dançando por entre as madeixas que escondem minhas idéias. Vi meu sorriso em sintonia com aquelas maçãs do rosto, vermelhamente envergonhadas. Vi mas não vi. Talvez tenha sido um sexto sentido sentido por engano. Talvez ainda exista um pouco de lirismo por baixo dos panos. Talvez seja apenas meu vitiligo disfarçado em meio à tantos vestidos. Talvez seja veludo, cetim, seda, linho, veludo, cetim, seda e linho em cada linha dos meus sonetos imperfeitamente metrificados. Talvez, por licença poética, eu possa ser o gótico, o tóxico e o indevido. Uma salada totalmente sem nexo. Um espelho extremamente sem reflexo.
Como saber se vi, senti e vivi?

Então subo, tateando, até acordar e tentar ficar em pé.
Subo, saboreando sanduíche de migalomorfa, embebedando ainda mais os meus heterônimos, cambaleando, atirando pedras em quem um dia se atreveu a tentar
Subo e pesco de volta, o meu eu. Declamando meias desgraças, desgraçando minha meia fio oitenta, subo e desço.
Desço entortando o tom, despedindo a clave, confundindo a fusa com a semifusa... Jurava que a vida era viva, que casa era meu porto seguro e agora seguro por entre os fios desencapados que eu mesma deteriorei.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Porteiro, porta, portaria, portão, porteira. Porta-treco, porta-lápis, porta-luva, porta-níquel, porta-malas. Porta-segredo.

Esse só eu tenho.

Porteiro, porta, portaria, porta, portão, porta, porteira. Porta treco porta lápis porta luva porta níquel porta malas.
Porta segredo porta.

Porta. Porte. Porto. Parto.

Incrível que tanto porta quanto parto são apelos.
Enquanto um esconde o outro doa. E então o que doa esconde e o que esconde doa.
Soa, soa cedo...
Incrível que tanto porte quando porto são apegos.
Enquanto um segura o outro pega. Então o que segura pega e o que pega segura.
Lá pelas duas da manhã.

Porteiro, porta, portaria, portão, porteira. Porta-treco, porta-lápis, porta-luva, porta-níquel, porta-malas. Porta-segredo.

Esse só eu tenho.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Vou narrar o que hoje vi.


Acordou plena, sem nenhuma marca de travesseiro, com hálito fresco, cabelo penteado. Foi a primeira noite que não dormiu em cima de um braço, em posição fetal. Sentiu-se livre pra esparramar o corpo e a alma pela cama de casal quase vazia. Levantou e ouviu chuva. Nessa cidade o céu sente o que embaixo acontece. Logo entendeu que alguém muito chorava, logo entendeu que algum mundo escurecia perante uma vista que ontem era viva. Tomada por medo, ligou o chuveiro e provou a água com o pé esquerdo, como de costume. Enquanto isso, ouvia alguém lamuriando pelos cantos, nada muito nítido, mas as paredes da casa condenavam o azedume. Pegou a toalha mais macia, vestiu a roupa mais confortável e a meia de estimação, a vermelha, felpuda. Ainda assim, desgostosa. Tateando por entre os móveis, mal enxergava o que pisava...

Tropeçou no degrau da sala, bateu a cabeça na prateleira, quase derrubou o quadro pintado pela tia, com as cores mais vivas. Eu me lembro. Havia um rio, dos mais azuis, uma ponte, uma árvore no cantinho, sombras, nenhuma pessoa. Seguiu a voz, ainda baixa, cheiro de fumaça de cigarro, porre de whisky, tempero, alho, cominho, talvez até uma pitada de coentro, cachorro molhado, e lá no fundinho, tinta fresca. O quintal estava recém pintado. O pintor a fitava com olhos de malícia. Um charme. Tulu era seu apelido. Bem jovem ainda, beirava lá os vinte e cinco, um sorriso inigualável, e que braços! Deu um sorrisinho maldoso, como quem pensa: "Sorte que está chovendo, vai ter que pintar tudo de novo!". De boba não tinha nada.

Desceu as escadas, foi até o porão resgatar alguns livros antigos, sonetos, folhas de sulfite amareladas, é, pergaminhos soa mais fino, mas ninguém se importa. Não são nada além de velhas verdades sentidas. Encontrou uma boneca de porcelana, Ágata, era o seu nome. Nunca gostou de outra boneca sem ser a Raquel, por isso largou Ágata lá embaixo. A roupinha estava molhada, umidade, seria? Ora, claro que não, parece até gente grande que não consegue trabalhar com magia. Era xixi. Durante anos ela ficou jogada, sem ninguém pra lhe trocar. Apanhou-a com cautela. Parecia contente.

Subiu as escadas, a boneca nas mãos, tal qual uma caixa de ovos, ou uvas, pra não quebrar ou esmagar, tocava sua cabeça, alisava suas maçãs do rosto, pálidas, ideal seria levar a um médico, ele sim saberia o que fazer. Acreditava da forma mais fiel que era gripe. Quiçá uma pneumonia, daquelas que vem com tudo, estraçalhando as férias de julho, mamãe não vai deixar andar de bicicleta nem subir na goiabeira escondida do vizinho. Não, não, não. Nem adianta apelar. Ah! Tenho certeza de que ela vai acabar desobedecendo. Que criança em sã consciência não daria uma escapadela? Ninguém notaria. E se precisar, sirvo de cúmplice. Se alguém aparecer eu grito "panela de pressão". Sempre adorei esse código!

Caiu. Caiu em si. Viu que já era tarde pra ser quem sempre foi. Viu que o eu já tinha ido embora de casa, viu que ainda nem era hora do almoço.
Levantou. Levantou de um si que talvez não estivesse lá. Viu que já era tarde pra se derramar de dó. Viu que já bastava o tanto de ré que havia dado, viu que chuva fez-se sol.

Viu que tinha nas mãos todas as notas, uma boneca, um sonho, um pouco de força, músculo e coragem pra trazer de volta o que se foi. Viu caneta, vida, vaso de flor. Amor. É! Agora, corre!


Vou narrar o que hoje vivi.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Em busca do meu fabuloso destino

Desde pequena me apaixono todos os dias. Padeiro, leiteiro, jornaleiro, inspetor, professor, encanador, colega de classe, de sorriso, de lua, padre, coroinha... O clero inteiro! Pai, filho, primo, irmão, o esquisito da estação de metrô, pelo mais cabeludo, pelo loirinho cheio de cachinhos, pelo moreno magrelo, nunca fortão, por um passarinho, por um cachorro, por uma palavra, por um olhar tímido, assustado, por cinco segundos e meio. Procuro manter o estoque cheio, até a boca, que é pra nunca faltar. Até hoje cavei meu poço, bem fundo, onde ora descanso, ora me escondo. Mas há meses não consigo sair de lá, de tanto fazer da caneta, colher. De tanto rezar deitada achando que estou de pé.
Sempre fui fechada. Sempre preferi ouvir, muitas vezes sem revidar, o tapa que o outro vinha a dar do lado esquerdo da face e do corpo. Sempre dizia não gostar sem ao menos experimentar. Foi assim com bacon, quiabo, jiló, fígado, asa de frango, palmito e cinema. Achava pobre sentar e vivenciar uma experiência onde já lhe deram os sons, as imagens, as respostas. As cores, as paisagens, os cheiros. Sim, cheiros! Cá entre nós, se cada milha da sua estrada não tem um cheiro no mínimo singular, você está seguindo pro lugar errado.
Penso que vi, durante todos os meus dias, uns vinte e sete filmes realmente bons. Bons, porém, dos vinte e sete, um me tocou. Bem lá no fundo. Não sei se a culpa é da depressão que resolveu dividir o aluguel comigo, se é da cabeça vazia, da oficina do diabo. Não sei se a culpa é do pé gelado, da maçã do rosto sem um toque, da boca sem sorriso, do café sem açúcar, da falta do doce, da dor no pescoço, do travesseiro baixo, do urso de pelúcia que há dias pede banho, do amor distante, do telefone que não toca, da tendinite do indicador direito. Da falta de peito, da sobra de leito...
Só sei que agora eu hei de acordar, e olha que antes eu nem torcia, mas pingou um gosto de saudade, essa noite. Saudade de levantar e pedir pra ver o sol. De seguir em frente sem medo da esquina, de não ligar pro calo do dedinho, de fazer carinho, de rondar as crianças da rua. De correr nua.
De me apaixonar de novo.



Todos os dias.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Dei duas voltas e meia ao redor do mundo em apenas três segundos, mergulhei no infinito, fundo, imaginei o mar passando por todos os sete pontos de um corpo torto. Virei a xícara cheia de chá, cheia de choro. Sentei no caco de vidro, dormi na parte de dentro do sapato de vinil, lá fora chovia qualquer coisa, menos chuva, desmanchava o enfeite feito de fita de cetim número um, daquelas que vovó usava pra arrematar o enchimento de filó enquanto ensinava o bê-a-bá.

Dei duas voltas e meia ao redor do mundo em apenas três segundos, brinquei de pique-esconde com o vizinho da frente, cego, segui pela avenida principal, que dá lá na feira, eu nunca vi lugar com tantas cores, nunca vi cidade de tantos amores. Lembrei daquele cheiro, acordei na beira do banco, dancei com as estátuas da fonte, vi nascer o sol sozinha, penteei os cabelos longas vezes, vesti a saia longa com guipir, daquelas que vovó costurava com todo o amor que há.

Dei duas voltas e meia ao redor do mundo em apenas três segundos, escalei o muro de pedra (bem acho que aquela casa é mal assobrada, igual a mim), chutei noventa e cinco pedrinhas até chegar no ápice da minha loucura. E não culpo bebida, homem ou escadaria. Eu culpo a corda-bamba, que balança, balança e não derruba quem tá lá em cima grudado, cantando alto suas milhares de contradições, escarrando gengibre vencido, esfarelando o paletó com pá.

Cuidado!
Qualquer dia acaba a corda, o couro e o pescoço.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Nem sei por onde começar. Prefiro começar pelo final, que é pra saber certinho por onde passar. Cansei de falar de amor, de acreditar. Cansei de acordar. Há tempos não acredito que vou mudar o mundo mudo, vontade sobra, mas força... Ah! Essa aí tá em falta no meu almoxarifado.
Levanto com saudade de deitar, deito sem saudade de levantar. Mas uma hora o joelho dói de tanto ficar dobrado. Posição fetal, posição fetal, posição fetal.

sábado, 11 de julho de 2009

Segurando um caderno preto fosco, engolindo saliva maldita, caiu na esquina depois de tanto beber a angústia que me servira no bar. Eu bebi, sequei os lábios com a manga da camisa social listrada, e olhei naqueles olhos espumando escárnio e talvez até o maldizer. Dançava fingindo ter um pingo de lirismo na cara, mas mal havia meia canção de amigo. Eu bebi, suguei as gotas pálidas com o amor que sempre carreguei por dentro até fazê-las secar, sorri para aqueles lábios encarando a covardia sem querer a ninguém mostrar.

Atuando "Treze cerejas doces", rezou antes de pisar no picadeiro porque aquilo bem era um circo e só eu sabia. Só eu ria ao ver que a platéia era papelão e de papelão se fazia a peça. E uma peça era justamente o que faltava ao trovador. Tinha mãos, pés, chão mas faltava terra pra pisar e amassar. Pra sentir, pra moldar. Cheirava a vodka rala que não tomava. Cheirava a lágrima vazia que não soltava.


Cheirava a mentira e a falsa humildade que pregava.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Já não diz coisa com coisa... E toda aquela coisa de coerência textual, foi embora no seu palco quebrado.
Cadê sua arte?
Depois de muito pecar sem poder ver, e não querer o confessar, ora, vergonha do padre é que não era, porque padre era pedra, logo ali no seu chuveiro se banhava, deixava de viver a vida só pra te ouvir.
Mas só ouviu você partir.
Cadê sua arte?
Porque pecar da cena ao encarte, sem nem ousar perguntar pra onde ia todo o dia, depois que sol dormia, traçava as estrelas no céu do quarto, nascia, todavia, após o parto, ligava pra churrascaria e pedia batata frita, farofa e feijão, uma coca de 2 litros e comia sozinho, deitava sozinho. Bagunçava os lençóis pra ficar mais quentinho e escrevia rente ao chão, rabiscava o rodapé com caneta bic vermelha de tampa mordida. Dois nomes, um coração e uma ferida.
Algema a si mesmo no marasmo, no descaso e no torresmo que tá embaixo da sua lama.
Cadê sua arte?
Se escondeu de tanto que você se partia e parte.
E a mim não engana.


Não mais.
Sem você no seu lado da cama meu mundo gira em paz.

domingo, 5 de julho de 2009

Arranho, arranho, e não sai nada.
Ou encontrei a felicidade plena, ou eis aqui o fundo do poço.

sábado, 20 de junho de 2009

Doze passos pra frente, atravesse a ponte, entre na primeira a direita e lá está ela. Linda, robusta, sempre à espera. Ninguém um dia chegou a imaginar o que se escondia por trás daquela porta de oito metros e meio, feita de madeira, toda trabalhada por finas mãos. Em volta, um vazio. Eco, sem brisa leve, chuva, muro, cor. E eu me adentrava todas as sextas-feiras tentando buscar o que havia perdido por ali, já na infância, junto com algumas peças do lego. Longas férias, invernos bem quentes, gargalhadas, asas, grama, pernas, meias e casacos de lã, rosquinhas de nata, xícaras de café, terra pra pegar, sentir esparramar pelas mãos bem devagar, e eu, sozinha, rolava pelos cheiros e finais e gostos e toques e agostos inteiros... Até se fazer presente, a amiga primavera e seus ipês, amarelo e rosa, sempre nós três, sentava embaixo das árvores, rolando pelos campos, dançando, arranhando, bebendo, deitando, sentindo...







Fugindo.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Cidades vazias, ventania... Uma falta de poesia ronda a enorme maioria. Ninguém namora mais. Todo mundo acha que vai tampar os problemas com panos quentes se banhando de putaria. E depois que termina? Sobe aquele nojo, aquela simpática grosseria masculina pós-gozo de não querer que a suposta namorada o toque. E ronca. Ronca até amanhecer e levantar com pressa, sem muitas vezes, trocar um olhar sincero. Ah! O tirar da roupa apressado e o colocar mais ainda. É, ninguém namora mais.
Namorar é andar de mãos dadas, gargalhar, procurar desenhos em nuvens. Namorar é suspirar pelos cantos, é sentir saudade de ouvir a voz. Namorar é acompanhar, é ser fiel, é querer que o outro cresça independente de mais nada. E crescer junto. Abraçar, estalar os dedos, chorar até soluçar, se preocupar, fazer só o bem, compartilhar. Namorar é dar de presente bolinha perereca, aquelas de cinquenta centavos. Namorar é cerveja com todos os amigos, sentar na praça, andar de cavalinho, é não ter vergonha de dizer a verdade. É não ter medo. Dar proteção. Namorar é construir um sonho novo a cada dia. É planejar, é o querer verdadeiro. Olhar a lua, cair de bicicleta, desenhar jacarés, sentir a respiração. É andar de ônibus e esperar o destino chegar na sua janela.

Namorar é ser amigo... Mesmo que não passe disso.

Dia 12 de junho, dia dos namorados.
Alguém aí vai comemorar?

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Inspira, ação.

Bem como em cinema, depois que se... claqueteia? Nesse frio eu atuo em período integral dentro da minha própria casa. Já salvei uma vida hoje, mas nada além da minha. Não que eu seja egoísta a ponto... Não, definitivamente! Hoje já beijei, já despi, já briguei, já bati o telefone sem dizer um eu te amo. Audácia! Parece que tenho lá meus oito anos. 

Depois de tanto, resolvi botar meu chapéu de cowboy que estava em cima da vitrola velha, botina, matinho no canto da boca, até fazer nascer um rebolar em meio a sala bem dotado de outras vozes que só eu ouvia. Ainda bem que aqui eu não pago nem um centavo de consumação. Uma garrafa inteira é o que me doma e domina, aos poucos.

Agora, se me dão licença, vou tomar mais uma dose de amor. O garçom já está rondando a minha mesa. E parece que tem pressa pra servir e receber a gorjeta.

domingo, 24 de maio de 2009

Talvez eu esteja cansada.

Há dias não consigo vomitar o que por dentro se prende cada vez mais, formando um emaranhado de agonias sem sentido. Ou talvez com metade de um nexo inteiro, mas mesmo assim me descabelo. Parece que me perdi de mim mesma, vivo os dias um tanto quanto blasé,  ao invés de correr pelo vasto campo prodigamente, esgoelando a náusea. Talvez eu esteja morta. Talvez eu não esteja vivendo. Talvez seja apenas medo.




Talvez eu esteja cansada.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Destruiu doutrinas dos doze doutores de dados, demorou a depor e só depois da dor, dó, diamantes e dólares, destruiu o dogma da doença.
Deixou o desprezo e a disenteria dentre as diásporas, deleitou-se nos dias...


E deu à sua doce dona, o deslumbre da mais dourada dicotiledônea.

Sorriso tetânico

É verão. É o terceiro verão.
Já vem o Carnaval e as marchinhas
alegorias e adereços.
Bateria, folia
e no quarto dia, o sono.

A casa vazia esvazia
um adeus amigo
E cada qual com sua cruz.

Promessas, sacrifícios,
sacrilégios.

E ainda sim é verão.
Ainda é o terceiro verão.

Os dias quentes congelam
E mesmo que verão frio
faz-se inferno
e eu rio.

Falso sorriso
vento sombrio
respiro, suspiro
O plasma escorre pela risada regada
virtude mal lavada.

E os dias se tornam constantes,
sem antítese alguma.

Exceto pela escuridão dos meus dias
e o frio do meu terceiro verão.

sábado, 25 de abril de 2009

A laica

Enfrentaria o mundo todo com sua espada, sem nenhum escudo que não o de bronze a reluzir pelos campos vastos, pelos pastos, sem sequer deixar rastro. Amanheceria na infantaria por entre os lençóis de todos os soldados e pela noite gritaria em alto tom, mas sem som, tal qual cinema mudo. Não por medo. Formosa que só, não se importa com nenhuma discrepância. Família nobre, porém fome, e não basta pão e circo. Ela se cerca sem ao menos precisar de arame ou jaula, fez fazer-se então deserto, dos mais quentes. Outrora o mar ela sugou com todo o seu balanço, o jeito particular com que titubeia.
Alta, magra e firme, sorri, exala todo o perfume.
Podre, esponjosa e amanteigada.


Engole todo o azedume.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Cento e dezoito batimentos

Algo grande eu guardo aqui dentro, bem no centro, e há dias sinto uma imensa vontade de expelir. Como quem engole um bolo inteiro, e quente, como quem bebe qualquer agonia destilada, como quem nasce destinado a não viver. Cento e dezoito batimentos por milésimo de segundo, eu ainda nem conheci a metade do mundo, por isso não posso partir.
Seria injusto com aqueles que ainda não conheceram o meu sorriso. Desculpe-me, mas não suporto a falsa modéstia. Já que estou sozinha neste quarto, posso deixar vazar meus pensamentos egocêntricos sem me preocupar em incomodar o colega ao lado. Ultimamente estou seca. Sem mãos pra cima a agradecer, nem comemorar, nem aplaudir, muito menos de pé. Falta fé. Falta ferro. Cimento e tijolo. Animação só na hora do banho, espumas e bolhas e caras e escovas e águas a sambar pela pele... E escorre, escorre, escorre direto pro ralo. Um nome bem apropriado, eu diria. Eu ralo o dia todo, suo, luto, canso. Ah! Esqueci de comprar lixa de pé. Tô com alguns calos. Mas a ferida não nasceu em nenhuma feira dessa semana. Foi a gandaia de sábado a noite, dancei sozinha pela quadra inteirinha. Segurava a cintura, bem marcada pelo vestido curto e negro como a noite, ou como um dos meus eus, deslizava pelos cantos, na calada da noite calada. Só depois de muitas horas eu peguei os sapatos jogados na grama e segui sentido sentido nenhum.
E não é que de mim mesma arranquei meio sorriso? Pois é, e na manhã seguinte? Maldida gripe. Dia desses foi a enxaqueca que me acordou com a mais bela canção, bem ao pé do ouvido. Nada como um bom despertar! Café na cama, com chá, fruta do conde, café, torradas, manteiga, bala de caramelo, pudim, gelatina, tudo sem açúcar que é pra não engordar. Ganhei seis quilos, acredita? Nem sei como. Tenho tendência a inflar. Tenho tendência a morrer sozinha, a ser mãe solteira, a não dirigir bem, a ter artrite, artrose e arteriosclerose. Tenho que operar meus joelhos, que se moeram depois de suportar o peso. Imagina só... Operar, rasgar, sangrar, dar ponto. Ficaria meio sem sentido eu botar um ponto final aqui, prefiro as vírgulas.





Sempre preferi.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

E quem ousaria dizer um dia, o porquê de toda essa tirania? Poderia eu rir e somente rir pela dolorida falta de ar. Falta de ar é piada. Ah! Mas eles não sabem de nem da metade da barra inteira. Um, dois, três pedacinhos e olhe lá! O verão demora a chegar e enquanto isso, frio. Poderia eu rir e somente rir pela falta de calor, pela sobra de pudor. Mas não me aguento. Eu tento, eu cavo, cavo, cavo... Quando eu era pequena, jurava que por mais um pouco ia parar lá no Japão. Doce ilusão, a minha. Bem poderia ser verdade, não é? Hoje eu dia eu falo e ninguém acredita. Hoje em dia eu não amo. Só desfilo pelos corredores, olho os arredores... E pin! Nada! Nem um pingozinho de encanto, em canto nenhum. Pois bem, eu fico aqui. Aqui, ali, lá. Eu, meu salto, minha pose.

E a vontade.


Prazer, me chamo Rebecca Garcez, adoro poesias, vinhos, banheiras e sou um poço de sinceridade!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Espião espionado

(escrito em 26 de agosto de 2008.)

Um pequeno espião me seguiu e levou embora o que ele viu. O que se viu e se levou, voou, serviu de aviso pro espião desavisado, ora, faz-se louco, desvairado, ao olhar o tablado e perceber que não há ninguém a representar.

Mas a percepção é errada, tem areia, céu, e até estrada em um palco estreito, e o ator impõe respeito de lá de cima, ao dizer que sua rima saiu de dentro do seu eu.

Eu levei o pequeno inocente, frente a tanta gente, gente contente, gente carente, gente doente, e então ele saiu.
Correu, caiu, correu, caiu.

Não mais levantou.

Pois bem, eu esqueci o que não me convém.
E quem ficou, viu, viveu, entendeu, a história pra outro contou?

terça-feira, 14 de abril de 2009

A ante até após, com contra, de desde durante.

Meus dedos adormeceram, me obrigando a escrever no pergaminho da mente. De repente, eu apaguei. Já tinha cansado de mastigar todas as noites a mesma solidão. Alguém aí me dá uma nova? Se bem que solidão, uma ova. Eu vivo rodeada de vidas, amigos, amores. Mas ninguém no mundo todo há de suprir aquela falta. Pois então eu fico aqui. Aqui, ali, lá... Bebo até cansar, pra depois perder tudo pela pele, pelo pêlo, papel, pena. Que pena. Perdida na madrugada que eu não tenho, é só sol. Só sol. Maldita luz. Se ainda fossem duas ou três... Mas não! É só uma. Só a do sol. Só ele mesmo pra ser iluminado à essa altura do campeonato. E nem estou falando de futebol... Não ainda. Mas eu bem queria.

Analgésico também serviria. Antibiótico já não adianta. Sabe quando o corpo se acostuma com o veneno que escorre por dentro e se torna imune?
Igual ao meu assassino que ficou solto por aí, impune.

Amarelinha pra brincar eu bem queria... Melancia pra me lambuzar. Adjetivo pra qualificar. Escova pro cabelo, pentear. Música para aos ouvidos encantar. Advérbio pra intensificar. Gosto pro mundo todo saborear. Artigo pra definir. Cores e caras pra pintar. Conjunção pra me conectar.
Triste final, o meu.



A droga que eu preciso, esqueceram de inventar.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Mais relatos de loucuras de amor em vão.

(...)


"Fiz o palco do teatro pegar fogo por causa de algumas palavras, rasguei a roupa no meio da avenida, me joguei do abismo da Rua 14. Conversei meia hora com a Doida. Voltei pra casa sábado a noite.



Sem ninguém."

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Disparo de disparate

A ferida que coça, a água que dança pelos olhos cerrados, a mão e a bolha de sabão, a rima toante e a consoante, o fino fio roçando a ponta do nariz, a cutícula e o dedão, o mosquito e o dedinho do pé, o recheio da torrada atraído pelo chão, a velha cega e a padaria, a criança beirando as calçadas, o calo beijando o seu tênis novo, a neosaldina e a dor de cabeça. O espelho perdido na bolsa. A bolsa perdida nos braços. Os braços perdidos no vento. O vento perdido no tempo. O tempo perdido em mim. Eu perdida em meu templo, o templo perdido no mundo.



E o mundo perdido no fundo. Do poço.
O choro da criança, o riso do velho e a trapaça do moço...


Nada mais incomoda.



Fingir que quem corre é a avenida e não o carro virou moda.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Pedante.

Partículas de poder partiram o peito do pobre perdedor que praguejava a pereba pequena. Posso perguntar o por quê?

Posso? Porque pedidos e palavras se perderam pelo palco. O porre de picanha e pistache perambulava pelo plágio paciente, pois no principio do meu período pacifico, o pássaro não tinha pena nem pêlo.

Era pura purpurina.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Doce Dulce.

Cantou por noventa (e tantos!) anos ao pé do ouvido dos netos, a canção que ouviu por tantos e tantos anos saindo do peito do avô.
Mas aos poucos, a voz falha, a perna cansa, o peso pesa. Já suas palavras nunca morrem. A cada dia que acorda, cria um novo acorde e uma oração.

"Que horas são?"
"São seis e meia."

E de meia em meia hora, a enfermeira ia lá pra fora e lia de jornal a rótulo de inseticida.

Ah! Como eu me lembro da infância ralando o joelho, mas rolando de rir... E na ameixeira eu subia até cair, sempre levantando com o pote e a boca cheia.

A última vez que a vi, foi há alguns dias. Segurou minhas mãos de forma doce e rezou pra que eu, segura, pudesse partir.

E eu fui, mas ela ainda não. Está cansada demais até para o eterno dormir.
Acontece que eu é que não volto! Ir pra casa pra quê? Pra ver, sem querer, um alguém tão querido padecer por causa de tanta ferida?

"Que horas são?"
"São sete e meia!"

Sete flores. Sete versos. Sete cores.

Ainda posso ouvir ela cantando sua cantiga preferida, enquanto me segurava no colo, ainda pequena.

"Tic tac, cambarola. Bate dentro, bate fora!"

E hoje sou eu que canto, lembrando sempre do seu manto e secando todo o pranto.

"Tic tac, cambarola. Bate dentro, bate...
...bate...
...bate?"

quinta-feira, 26 de março de 2009

O inconformado.

Toda quinta-feira, descia a rua principal gesticulando e fazendo cara feia pra quem passava. Xingava a brisa, pisava forte, balbuciava meias palavras, pensava meias metáforas. E se jogava fora. Pegava fogo, cuspia. Era sempre o certo, era sempre o coitado, o prejudicado.
Nunca o predicado! Sujeitinho mal caráter... E eu julguei mesmo. Lembrava da cara feia o tempo todo, enquanto andava, enquanto comia, enquanto sambava, enquanto ria... Enquanto eu ia...

Ia, ia, ia... Aí me lembrei do dia em que dei tchau pra covardia e esqueci a melodia exatamente ao meio dia. Era 12 de janeiro, eu achava que tinha deixado o riso inteiro, mas percebi que ele me acompanha.
Quem ficou pra trás, só ficou.


Ficou com as frustrações que tentou colocar na minha mala.
Mas vou te contar bem baixinho, quase sussurrando:
A verdade é que a vontade é a visitante mais passageira!
Fui mais esperta e acertei a nota! Pensou que foi ligeira...

E levou uma rasteira.


O segredo é sempre esse!
Esquecer o que joga, o que xinga e o que frustra.
Junta tudo numa trouxa, tal qual a roupa suja.
A diferença é que não se lava. Bota tudo na lixeira.

Incrível!


Hoje em dia o povo tá sem eira nem beira.

sábado, 21 de março de 2009

Engolindo o seco

Acordei pisando em falso hoje cedo. Chutando a memória pelo quarto, tropeçando nos sentidos...
Seria perfeito se eu relatasse aqui, uma carta qualquer sem nenhum sentimento.


E depois de tomar meu café amargo com pão amanhecido, só consegui pedir forças pra conseguir viver até daqui a pouco.




Mas mais parece daqui a tanto...

sábado, 7 de março de 2009

Bar, doce bar.

BARGANHE! - E berrava cuspindo os goles que acabara de engolir. Em parte, é claro. De uma dose, tomava metade. Um pouco caía pela mesa, e da mesa ia ao chão, escorrendo feito o ódio em seu corpo.

EU LÁ TENHO CARA DE QUEM ESPERA A VIDA INTEIRA? - E se perguntava, impaciente. Quase de forma indecente... Tinha pressa, muita pressa. Sabia muito, sabia de quase tudo. Ou achava que sabia.

ME DÊ MAIS UMA, E CAPRICHA, PORQUE AMANHÃ QUERO NÃO ACORDAR.


Ou acordar e não lembrar das perdas e danos que não foram processados.
Dos processos que não foram ganhos.
Dos ganhos que se transformaram em perdas.
Das tantas cordas que não quiseram me enforcar.



Eu não queria mais respirar...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Aflora, flor.

Ora, ora, ora... Pois não importa se os poetas ficam a encantar ou vão embora.
Não importa se flor se rega
ou se só chora.
Não importa nem a hora...
Se se machuca por dentro, ou por fora.

Desde que levante pela manhã e suspire
Desde que sonhe a todo instante
Desde que seja capitã do grande navio e navegue à todo pano...
Que faça do pouco, o inteiro.
E sorria...
Pode se considerar flor, Flor.

Leve feito ar, grande feito mar, nobre infinitivo do verbo AMAR.
Porque este existe e nos alimenta. Não venha me dizer o contrário só por ver padecer aquele que não fez por merecer. Que teve a doçura de seus toques e rimas... E mesmo assim quis ir embora pra casa.

Veja só o que tenho a lhe contar. Escrevi em um pequeno guardanapo, a grandeza desse segredo, e se pudesse lhe enviaria, pra que fosse lido se, por acaso, chegasse a cambalear pelas calçadas.

"Se dotadas de amor, equilíbrio e tranparência
Todas somos flores.
Cada qual com sua essência.
Cada qual com suas fraquezas e dores...
Amores."

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Pique-esconde.

"...Dezoito, dezenove, vinte! Lá vou eu".


Corri até o lago.
Desci as escadas que levavam até o porão.
Passei três vezes pela mesma árvore,
pela estatueta de mármore,
e pelo jardim de margaridas.

Ah! E eu desesperava!
Despetalava,
Me sujava e me lavava
e quanto mais água eu botava,
mais eu me manchava!

Mas no final de cada pique,
no final de cada linha,
eu percebia que cores pra pintar era o que eu mais tinha!

Mas no início de cada palma,
no início de cada poesia,
eu descobria que ainda havia o resto do todo do dia.

E a cada segundo eu me despia.
E a cada roupa que caía, surgia outra melodia.
Nessa de se esconder, me aparecia sempre mais um lago,
mais uma escada,
mais uma árvore,
mais uma estatueta de mármore.
E mais mil e uma margaridas.

Ai, ai, são tantas voltas,
tantas vindas e vidas...

Tantas idas!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Avenida do Eu te amo.

Querida Alana,

Quero lhe contar umas coisas, que por várias vidas me fizeram voltar alguns metros enquanto eu achava que só andava pra frente. Quero lhe perguntar por quanto tempo estive longe. Preciso saber se demorei.
Estou morando em um lugar distante. Seria bom passar uns dias aqui comigo. Não tem nada. Nenhum barulho. Nenhum móvel, nem colchão. Trouxe de casa apenas uns pergaminhos e tinta... Pra te pintar em mim, e me pintar pra você.
O amanhecer aqui é lindo. Me faz lembrar daqueles dias em que você acordava mais cedo por minha causa. Me faz lembrar do cheiro daquela época... Te contei que ela tem cheiro?
E tem som também. Bem baixinho, quase não se ouve. Respiração, e só.

Ontem, antes de me deitar no chão que me falta, revivi seus movimentos, lentos. Até que eles se congelassem, pra eu poder guardar por mais um tempo.
Não sei se você vem, não sei se você volta, ou se vai ler o que senti nesta carta.
Na vedade eu só queria cuspir tudo isso, pra ver se esse eco de um grito sem som chega até aí. Sei que se chegar, vou receber seu sorriso na porta de casa, junto com o escurecer desse céu, que não vejo.

Não gostaria de enviar meu endereço porque eu vivo escondido no meu vazio, e tenho medo de alguém me achar. Espero que o destino envie esta carta empoeirada de lembranças para o destino certo. E quando a receber, cabe a você guardá-la contigo, pra que um dia, caso queira, venha por ela me visitar.

Avenida do Eu te amo, número 7.
Sem complemento... E a cidade você já sabe.

Lembra-se de quando sonhávamos em morar nesse endereço, sem ao menos conhecê-lo? Eu vivia a idealizar, enquanto você ria e dizia: "Só um colchão e uma caneca, não precisamos de mais nenhum adereço!".
E no meu próximo levantar, eu me via sem o meu eu e sem o meu par.
Saiu por aquela porta durante a madrugada. Eu jamais vi.

E hoje, depois de tanto te procurar em outras pessoas, depois de tanto cuidar de você mesmo não sabendo por onde pisas, depois de tanto me perder pela avenida que eu mesmo resido, percebi o meu erro.
Por vidas, caminhei sozinho.
Por vidas, caminhei contigo.
Mas por apenas um dia, eu não quis caminhar.

Justamente nessa mísera falta de vontade, falta de força e coragem, é que pequei. E percebi que talvez por isso você tenha saído pela minha porta, me deixando apenas um bilhete:



"Sabe quando se tem muita fome, e come e come e come, mas nada sacia?".

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Ninguém

E não se viu, foi andando, continuou seguindo seu caminho com os calos dos dedos do pé esquerdo arrastando. E a boca espumando, temperatura ambiente um tanto alta, alma fria. E não se via, mas foi andando, mentira dentro da mochila, contradição pulando do abismo que era a mente, a mente que mente. Que graça tem ir embora sozinho? E ele pára e senta em um banquinho. Tira o chambinho tubinho do bolso de fora da bolsa de mão, pensa em seu irmão. Tá lá... Trancado no quarto de cinco paredes, rezando pra poder comprar uma rede, porque outro jeito de encontrar sua paz não se conhece. Mas prefere não se intrometer. Ama cinema, ama poema. Cavou, cavou, cavou, e só ele achou problema. Acontece que na maioria das vezes, a dermatose está na própria pele. E o tratamento, a cada momento, encarece. Já são sete da manhã. Anda mais sete quarteirões, abraça os joelhos pra apanhar uma romã.

De duas uma: ou enxerga o que se mostra, ou vê sempre a versão oposta.
Ao invés de romã, devia ver o amor que lhe era mostrado.
Era tanto, vinha aos montes, enlatado!

Eu sei, às vezes é duro de aprovar. Mas o olhar crítico eu aprendi a ter. Depois de tantas palavras a me bater, resolvi ignorar o sangue, e subir o rio. Nadar na montanha. Banhar-me no mangue. De treze estrelas que havia no seu céu, passei a ter doze. Uma pra cada mês. Ai ai ai que engraçado... Um tanto irônico eu diria. Não, não, ironia não. Coisa de gente fraca que quer ser forte. E quem se julga mais robusto, engana a sorte. Até que a espada o corte! Deus me livre!

Já está tudo traçado, olha só...
Pois por meses estivemos enganados.

Morremos pra voltar a viver, adicionar íris aos novos olhos, aclamar novas dádivas, a alma com mais sede de glória se agita, e você se vê um pouco mais valorizado, de olhos bem cerrados, porque o tapa já foi dado, o machucado, cicatrizado, a cicatriz quase esquecida, mas ninguém nunca revida, mesmo deveras cansado, atordoado, vai pra dança de salão, deixa o peixe nadar, ora, a lã enrola e espanta o frio, acorda a noite, pra cobrir o filho, do chapéu do mágico surge a verdade, e a cada dia que passa, mas se despercebe a tal idade, tira o sossego de dentro do pote de mousse de maracujá, e rema, rema, rema, rema e rema conforme a correnteza lhe põe a mesa do chá das cinco, bolacha amanteigada, o moço, a moça e o clube, e a nudez dos braços, e o conto, e o canto, e os pássaros...

Pensei, apressei o passo...


Já se passaram das sete e quatorze...



Será que esqueci naquela casa o ego, a posse e a pose?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Reino de Papelão

Feito de realidade, num passe de mágica, fez-se a erguer no meio da sala.
Sem cor, mas com cheiro, talvez feito de amor, surgiu como o mar
e sumiu como ar
Eu não lastimei, mas senti a pontada
e depois passei uma daquelas pomadas, pra tentar aliviar.

Feito de açúcar sem ser refinado, tinha cortinas de fino trato
e a muralha que cercava era uma fita branca de cetim
E eu a sorrir, esperava o banquete e meus convidados.
Ilusão doce como a sobremesa, porque dentro de toda a beleza
só cabia a mim.


Ilusão amarga como coentro,
eu era o centro.
E no resto da sala
eu só via a porta.



E a minha enorme mala.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Corte.

Entre o banco e a vida, entre a vida e a praça, entre a praça e a avenida,
entre a avenida e a chama, entre a chama e o cano, entre o cano e a cama,
entre a cama e a palma, entre a palma e a pluma, entre a pluma e a calma.

Entre a garganta e a santa, entre a santa e o mundo, entre o mundo e quem canta,
entre o canto e a alegria, entre a alegria e o chá, entre o chá e a alergia,
entre a alergia e a tinta, entre a tinta e a pele, entre a pele e a pinta.


Entre o curativo e o corte.
Entre o certo e a sorte...



Entre a vida e a morte.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Vou te contar um segredo. Não é bem lá um segreeeedo, mas prometa não contar a mais ninguém.

Ontem eu fui dormir e acordei com asas.

Eu juro. Foi incrível!

É que eu não dormi sozinha, sabe.
Tinha uma ausência presente.
E foi mesmo um presente.

Engraçado que a gente sempre acha que nunca vai viver nada melhor do que aquilo que já foi vivido.

Nada melhor do que aqueles dias em que você acorda e continua deitado até voltar a dormir.
Nada melhor do que aquelas horas que você passa sentado lendo uma vida, ou em movimento, procurando o seu verdadeiro sou pra poder atingir o orgasmo do seu verdadeiro eu.

Eu vivi tudo isso.
Tudinho mesmo.
Pois bem!
Alguém aí escreveu em um pergaminho empoeirado e cheio de traças, que quando você dorme com asas e acorda sem elas, você percebe que na verdade nunca teve o que prometeram lhe dar.

Eu vou sussurrar pra você... A solução é sempre a mesma: um tapa, uma concha cheia de feijão e uma aspirina.


E então, eu que me via com tapa, mas sem concha de feijão e sem aspirina, fui dormir e acordei com asas.

Eu juro. Foi incrível!

É que eu não dormi sozinha, sabe.





Sabe?

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Saudade do futuro.

E respiram as gotas da chuva
e se banham com o orvalho das cinco.

E se vestem com o abraço de boas vindas
e se abraçam com a contagem das horas.

E cozinham os próprios olhares
e se olham com os próprios sorrisos.

Se arranham a cada toque
e se tocam a cada respingo.

Bebem aqueles suspiros...
e suspiram com os poucos minutos.

E então, o primeiro deles se esparrama em meio à tanta...

Tinta?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Lama e lamúria.

Eu devia deixar macio o meu travesseiro, e deitar sem armar berreiro
Eu devia jogar fora o ursinho de pelúcia sujo de poeira e lavado de lembranças
Eu devia olhar pra frente e conseguir fazer diferente.

Mas é quase sempre do mesmo jeito.
Eu luto e sangro, só pra ver surgir o efeito.

E então prometi,
prometi seguir sem cair.

Só falta achar o corrimão da escada sem perdão
Só falta um pouco de ar pra respirar
Água pra hidratar
Tinta pra me pintar.

Só falta lua, só falta sono.

Só falta.

O que eu tenho?
A noite escura.

A noite cura?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A doida da Rua 14

Eu tenho que ir ali pegar o cortador de unha, ta precisando mesmo de uma poda... Não ta? Ou só tirar o esmalte já adianta? Estou bem pouco me lixando... Será que se eu lixar... Melhora?


Acho que ouvi alguém bater na porta. Pode entrar, meu senhor. O que deseja?

Quem? Alice? Não... Alice não morreu não. Sabe por quê?


*Sussurrando* Ela ta ali em cima, dormindo. É... Ali em cima sim! No meu quarto... Por isso que eu fico aqui na sala, entende? Você não entende... Não pode entender... E fala mais baixo senão ela desperta.


Ah... É tão lindo ver ela acordando... Aceita um chá?

Se aconchegue... Eu vou ali pegar o jogo de xícaras.


Esse aqui eu ganhei no meu casamento... De uma tia minha do Peru. Bonito, né?

Os outros quebraram na mudança. Meu marido, coitado, ficou arrasado quando viu que perdemos as taças também. Ele sempre falava que ia usar quando a Alice se formasse na faculdade.


Mas aí ela dormiu e nem viu... Ele foi comprar leite, e por sinal ta demorando. Que horas são, meu filho? Já são cinco horas? Ele prometeu que voltava às cinco.


E os dias passam, e as cinco horas vão aumentando... aumentando... e pin! Nada!

Eu nem sei porque ainda insisto em pentear os fios brancos da minha cabeça e lavá-los todo dia com meu shampoo de romã depois que descasco as cebolas.


Papai adorava. Mesmo já capenga, ele cheirava meus cabelos e chorava. Chorava tanto, o pobre. Dizia que tinha medo de enlouquecer também. E eu respondia:


- Papai, o problema é a transição entre a sanidade e a loucura.


Mas eu sei bem que era mentira.


Eu não sei de muita coisa, sabe... Eu acho até meio louco falar isso. Tenho medo da minha risada descrente. Só isso que eu sinto.


Cadê o cortador de unhas? Ele estava bem aqui.

Ah meu Deus, o cachorro já está latindo pra aquele maldito gato cinza da vizinha! Não sei porque cargas d’água ela não dá logo um veneno pra ele. Roubou meu queijo ralado, dia desses.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Saliva sabor uva, vida azul celeste, jardim de acácias, cheiro de café feito sem pressa, escada almofadada, travesseiro de pena, colchão d'água, música sussurrada nos dois ouvidos...

Pelos quatro cantos.

Diário de meia vida inventada.

Terça-feira, 13 de janeiro de 2009.

Levantou, procurou o cheiro pelos lençóis, calçou os chinelos de pano e seguiu até a cozinha.
Lembrou das caixas de chá que deixara para trás depois que seguiu viagem, abaixou a cabeça lentamente, sentiu vontade de voltar pra casa.


Mas já estava nela.


Quarta-feira, 14 de janeiro de 2009.

Levantou, achou o cheiro pelos lençóis, vestiu a camiseta que se via no chão da sala e seguiu até a cozinha.
Deparou-se com a mesa posta, tomada por xícaras de todas as cores falidas ou com vida, levantou a cabeça lentamente, sentiu vontade de voltar pra cama e sorrir.


E o fez!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Maldita (ou não) auto-afirmação!

Quase todas as metáforas, eu diria.
Ou talvez nada além de Amor.
Eu sou Flor!

E nesse tempo aqui, espantando os insetos ou chutando os ratos, vi surgir (de dentro dos bueiros) a multidão suja e egoísta. Até que resolvi caminhar um pouco mais.

Sou da casa sem gente vazia, do cheiro de erva cidreira.
Das mãos munidas de força, caneta, papel e, por favor, uma xícara de chá.


Mundo mudo e imundo, manda aí uma verdade, um dó menor e alguma poesia.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Relatos de loucuras de amor em vão.

(...)

"Já cheguei a tomar seis copos de feijão com geléia de mocotó no gargalo, já me joguei na frente do trem... Já até tomei dois frascos de tinta nanquim! Sem contar a cola de sapateiro que passei no sanduíche."