sábado, 14 de maio de 2011

I.

- Você já esteve aqui.
- Por que acha isso? Te lembrei outra pessoa?
- Talvez. Pelo seu jeito de agir... Eu sei que sabe que já esteve aqui.
- Deve ter sido meu irmão.
- Ou você estava muito bêbado.
- Também tive a impressão de já ter estado aqui. Não exatamente aqui.
- Um outro aqui que não esse. Aqui desse lado de outra cama.
- Como ele se chamava?
- Tiago.
- E como você se chamava aquele dia?
- Provavelmente Mariana.
- Me conta como foi.
- Você não me paga por hora pra me ouvir contar histórias.
- Mas hoje saí de casa buscando exatamente isso.
- Devia ter ido a uma daquelas praças de idosos ou qualquer coisa que o valha, e não ligado pra uma mulher como eu.
- Depois a gente faz sexo.
- Tá!
- Agora conta.
- Era uma terça a noite. Era um desses homens passageiros que gostam de marcar território com amores... Queria porque queria me beijar. Disse que não trabalhava com esse tipo de coisa. Reclamou que eu não olhava em seus olhos. Um carente!
- E você uma fraca.
- Tentava me prender com o olhar. Há meses eu não me envolvia com um dos meus daquela forma. Argumentava sem descanso e prometia não ligar pro que eu fazia. "Não se beija puta", eu dizia. "Não trabalho com esse tipo de coisa". Ficava repetindo. Mas os olhos condenavam o desejo incontrolável por um beijo e não por uma noite inteira. Me apaixonei em cinco minutos e em cinco segundos me via entrelaçada por aqueles braços que me acariciavam como se eu fosse uma mãe de família.
- Nunca mais o viu?
- Nunca mais.
- Nem nunca telefonou?
- Nem morto de bêbado sedento por diversão.
- Uma pena!
- Pois é...
- Vocês se casariam.
- Pois não.
- É verdade! Vi seus gestos denunciando.
- Puta não se casa.
- Você não seria mais uma delas.
- As profissionais jamais largam o ofício.
- Você não é profissional.
- Como não?
- Putas não se apaixonam em cinco minutos.
- De fato.
- Elas fazem os outros se apaixonarem.
- Nunca fiz nenhum.
- Fez sim.
- Eu não.
- Mariana sim.
- Mariana sim, eu não.
- Hoje quem você é?
- Hoje sou nenhuma.
- Como nenhuma? Tem que ser ao menos uma.
- Não quero. Você conseguiu! Não to mais inspirada.
- E o meu dinheiro?
- Te devolvo.
- Pensando bem, não precisa. Já sei quem você é hoje.
- Quem?
- Mariana.
- Não, ela nunca mais apareceu por aqui.

II.

- Como você quer agora?
- Espera, eu to cansado.
- Te preparo um drink.
- Hm, você é boa nisso. Algum custo adicional?
- Para de ser bobo!
- Viu só como não é profissional?
- Eu que quero beber. Aqui em casa não falta bebida. Só quis ser educada.
- Educada você foi aqui em cima. Obedeceu direitinho.
- Não costumo obedecer. Costumo mandar.
- Ah, tá bom! E essa cara de submissa?
- Que cara de submissa?
- Essa sua aí!
- Não me faça rir.
- Pede uma pizza?
- Tá falando sério?
- Eu pago.
- Meia margherita, meia calabresa.
- Feito!

III.

- Você é divertida.
- Eu não.
- Mariana sim.
- Mariana sim, eu não.
- To te falando que está sendo ela comigo e você custa a acreditar...
- Droga!
- Por que tem tanto medo?
- Não tenho medo. Nunca tive.
- Você não vai me ver amanhã, não precisa mentir.
- É porque não me lembra coisas boas.
- O amor?
- É!
- Nunca lembra.
- Deveria.
- Deveria, mas não lembra. O que fizeram com você?
- Me beijaram.
- Como o Tiago?
- Exatamente como ele. Agora para de querer ser psicólogo.
- Minhas horas ainda correm. Tenho bastante tempo.
- E se eu não quiser me abrir?
- Como se já não tivesse se aberto...
- Você é sujo!
- Sabe que não. Me deixa brincar!
- Você é outro carente.
- E você não se cansa de ser fraca.
- Não sou fraca.
- Mas sente medo.
- Você também já sentiu.
- Mas nunca deixei de fazer nada por medo.
- Nem eu, ora!
- Claro que sim.
- Eu deixei ele me beijar. Não fala o que você não sabe.
- Mas aposto que realmente disse adeus na despedida.
- Disse.
- Então!
- Então nada!
- Você deveria ir atrás, sabia?
- Maluco compulsivo por amor.
- "Oi Tiago... É Mariana..."
- Sem debochar! Não vou atrás.
- Vai sim, sei que vai.
- Vou é subir em você.

IV.

- Acho que você exerce bem a profissão.
- Obrigada!
- To falando sério.
- E eu to agradecendo sério.
- Mas já deu minha hora. Me convida pra dormir aqui?
- Claro que não. Talvez ainda consiga mais um essa noite...
- Mais um? Essa NOITE? São 9 horas da manhã, garota!
- São 9 horas da manhã e o banco fecha às 4! Tenho duas contas pra pagar.
- Você é divertida.
- Já disse isso e eu já disse que não sou não.
- Ô mulherzinha complicada. Fujo das complicações da minha pra achar mais umas em você. De que adianta?
- Satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta. Tá ali na mesinha, quer que eu pegue?
- Claro que não.
- Então até.
- Até quando?
- Até nunca mais.
- Até, meu amor. Eu te amo. Jantamos às onze.