Depois de um litro e meio de pinga das boas, vi rodar o meu mundo de uma forma que jamais tinha visto - como no carnaval, em que se espatifam carros em milhares de pedacinhos naquelas curvas do sul de Minas.
Desço, rebolando, até sentar e bater a cabeça no rodapé.
Desço, descascando o esmalte, arranhando o salto no chão, desamarrando o cabelo, borrando o batom
Desço e limpo o canto da boca, reclamo pra vida, enlouqueço as paredes, desço e me sinto oca
Oca dos pés a cabeça, e eu nem desconfiava... Jurava que a vida era plena, que por onde pisava era plano, e agora plano por entre as nuvens de um céu que não tenho.
É estupenda a maneira com que regem a nossa cegueira. Vi o par de olhos que não nasceram em mim brilhando há duas semanas, vi dois braços que um dia cobriram meus dias dançando por entre as madeixas que escondem minhas idéias. Vi meu sorriso em sintonia com aquelas maçãs do rosto, vermelhamente envergonhadas. Vi mas não vi. Talvez tenha sido um sexto sentido sentido por engano. Talvez ainda exista um pouco de lirismo por baixo dos panos. Talvez seja apenas meu vitiligo disfarçado em meio à tantos vestidos. Talvez seja veludo, cetim, seda, linho, veludo, cetim, seda e linho em cada linha dos meus sonetos imperfeitamente metrificados. Talvez, por licença poética, eu possa ser o gótico, o tóxico e o indevido. Uma salada totalmente sem nexo. Um espelho extremamente sem reflexo.
Como saber se vi, senti e vivi?
Então subo, tateando, até acordar e tentar ficar em pé.
Subo, saboreando sanduíche de migalomorfa, embebedando ainda mais os meus heterônimos, cambaleando, atirando pedras em quem um dia se atreveu a tentar
Subo e pesco de volta, o meu eu. Declamando meias desgraças, desgraçando minha meia fio oitenta, subo e desço.
Desço entortando o tom, despedindo a clave, confundindo a fusa com a semifusa... Jurava que a vida era viva, que casa era meu porto seguro e agora seguro por entre os fios desencapados que eu mesma deteriorei.