Cantou por noventa (e tantos!) anos ao pé do ouvido dos netos, a canção que ouviu por tantos e tantos anos saindo do peito do avô.
Mas aos poucos, a voz falha, a perna cansa, o peso pesa. Já suas palavras nunca morrem. A cada dia que acorda, cria um novo acorde e uma oração.
"Que horas são?"
"São seis e meia."
E de meia em meia hora, a enfermeira ia lá pra fora e lia de jornal a rótulo de inseticida.
Ah! Como eu me lembro da infância ralando o joelho, mas rolando de rir... E na ameixeira eu subia até cair, sempre levantando com o pote e a boca cheia.
A última vez que a vi, foi há alguns dias. Segurou minhas mãos de forma doce e rezou pra que eu, segura, pudesse partir.
E eu fui, mas ela ainda não. Está cansada demais até para o eterno dormir.
Acontece que eu é que não volto! Ir pra casa pra quê? Pra ver, sem querer, um alguém tão querido padecer por causa de tanta ferida?
"Que horas são?"
"São sete e meia!"
Sete flores. Sete versos. Sete cores.
Ainda posso ouvir ela cantando sua cantiga preferida, enquanto me segurava no colo, ainda pequena.
"Tic tac, cambarola. Bate dentro, bate fora!"
E hoje sou eu que canto, lembrando sempre do seu manto e secando todo o pranto.
"Tic tac, cambarola. Bate dentro, bate...
...bate...
...bate?"
2 comentários:
Nunca deixa de tocar o leitor; mesmo falando do oposto, dá vida a cada frase escrita.
Grande beijo, querida.
Lindo!
Me emocionei...
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